Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reflexões a propósito da RCTV

Dois acontecimentos ‘midiáticos’ chamaram a atenção nos últimos dias. O primeiro deles, e mais recente, foi a atitude do presidente venezuelano, Hugo Chávez, que determinou a não renovação da concessão de licença de operação do canal televisivo mais antigo do país: a rede RCTV. Afora reconhecer que a cassação da rede não deixa de ser uma atitude autoritária, é preciso encarar a questão também pelo viés ideológico.

A princípio, a não renovação da concessão da rede na Venezuela não pode ser classificada de ilegal, já quem em todos os países ‘modernos’ e ‘democráticos’ do mundo, a concessão dos serviços da mídia radiofônica e televisiva é uma prerrogativa da sociedade organizada aos gestores do Estado. Se Chávez se mantém no poder por métodos escusos e pouco democráticos, aí é outra questão.

Num paralelo sul-americano, cassar a concessão da RCTV, seria o mesmo que tirar a Rede Globo do ar aqui no Brasil. Imaginem… Ora, o presidente Lula teria motivos ideológicos de sobra para não renovar os canais globais. Todos sabem (ou quase todos) que a emissora do Jardim Botânico foi soerguida com o apoio dos militares em plena ditadura dos anos 60. Durante décadas, a emissora respaldou os governos direitistas, a igreja reacionária e o capitalismo tupiniquim.

Opção oficial à propaganda

Na Venezuela, a RCTV desempenhava esse mesmo papel de sustentáculo do sistema anti-chavista, comandada por Marcel Granier (o Roberto Marinho antibolivariano). Em um dado momento da crise institucional que o país viveu recentemente, a emissora de Granier noticiou amplamente que Chávez havia renunciado. Claramente um crime de mídia.

Mas o que me deixa com a pulga atrás da orelha mesmo é o fato de que o presidente venezuelano colocou uma emissora ‘governamental’ no lugar da RCTV. Na prática, para o cidadão daquele país, trocou-se seis por meia dúzia. Se a RCTV manipulava a construção da realidade pela mídia televisiva, o que fará a equipe de comunicadores ligados a Chávez, quando a TV estatal estiver a pleno vapor?…

No Brasil, a solução encontrada pelo Palácio do Planalto foi mais inteligente e mais sofisticada: nada de tirar a Globo do ar. Está sendo construído um aparato televisivo (teoricamente público) para rebater ideológica e simbolicamente os ataques da ‘mídia burguesa’. O cidadão brasileiro teve mais sorte que o venezuelano, apesar de pagar mais caro, porque vai poder ter na telinha uma opção oficial à propaganda (subliminar ou descarada) debulhada diariamente pelos canais empresariais.

De primeira mão

O outro assunto que me deixou cabreiro foi uma notícia que vi dia desses no Jornal da Band. A emissora divulgou uma reportagem acusando a Polícia Federal de oferecer exclusivamente à Globo (olha ela aí de novo!) imagens das ações de detenção dos acusados nas diversas operações que a gloriosa PF desencadeou nos últimos tempos, notadamente a recente ‘operação navalha’.

A emissora paulista alega que, como órgão público, a PF não poderia privilegiar determinado veículo de comunicação. Está correto. O fato de ser a Globo a maior audiência nacional não deve lhe dar o direito de obter informações privilegiadas em detrimento dos demais meios de comunicação. Esse é um princípio básico da democracia (igualdade de acesso e oportunidades). É um preceito que não deve ser desqualificado por quem exerce funções ligadas àquilo que nos países ‘desenvolvidos’ se chama de comunicação pública. No miolo dessa questão estão os jornalistas profissionais que operam serviços de assessoria de imprensa nos órgãos mantidos pelo Tesouro Nacional.

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Jornalista, mestre em Comunicação pela UFPE, assessor de imprensa da Embrapa e diretor do Sindicato dos Jornalistas da Paraíba