Cada vez que ouço falar de revistas fechando e jornalistas demitidos, fico com um aperto no coração. Nunca vai ser bom saber de colegas perdendo seus empregos. Mas, infelizmente, no fundo, penso que este era um mal previsível. Essa crise do jornalismo a que assistimos hoje em dia já se anunciava há algum tempo e, por mais triste que seja, ela pode significar uma mudança boa: uma mudança na forma como fazemos o jornalismo. O que significa, ao meu ver, em mudar o “para quem” se faz o jornalismo e também em um retorno para um jornalismo que quer mudar o mundo. E eu quero falar aqui especificamente de uma das áreas do jornalismo, uma que eu conheço bem e que precisa mesmo de uma mudança para continuar existindo: o jornalismo feminino.
Como quase todas as publicações, as revistas femininas, há algum tempo, já não conseguem se sustentar com o dinheiro de vendas em bancas e assinaturas. É a verba de anunciantes que mantém seu funcionamento. E, por isso, seu conteúdo há tempos não conversa com a mulher real, sua leitora. São conteúdos que perpetuam os ideais das marcas, que estimulam as vendas, e também ideais arraigados na sociedade que só fazem diminuir a autoestima das mulheres, sustentando o machismo e um ideal de beleza falso, só possível com retoques de Photoshop.
Em algumas ocasiões, as publicações até têm tentado fazer algo novo, que fale com a leitora, para driblar a queda nas vendas. Mas elas sempre fazem isso apenas até metade do caminho. Passam o ano inteiro reforçando um padrão de beleza inatingível para a maior parte das mulheres para, na edição de aniversário, dizer: “Goste de si mesma!”. Ou dizem, edição após edição, como a mulher deve se vestir e se portar para conquistar o homem, e de repente fazem uma matéria defendendo o feminismo. É um contrassenso.
Não acho que isso seja inclusão. Inclusão é colocar mulheres de todos os tipos físicos nas páginas da revista o tempo todo, como algo natural. Inclusão é abraçar a mulher solteira, a lésbica e qualquer outra, dizendo que ela precisa, primeiro, sentir prazer e se agradar. Veja só, não podemos alienar todo um grupo de mulheres que serão representadas apenas em edições de aniversário! As mulheres têm que se sentir representadas na mídia e ver sua beleza chancelada o tempo todo.
E para fazer isso, é preciso repensar todo o jornalismo feminino. É preciso pensar nos diferentes tipos de corpos, nos inúmeros comportamentos, nas orientações sexuais e identidades de gênero, nas questões sociais que pedem solução urgente, na diversidade de assuntos que agradam mulheres, muito além do feijão com arroz. E é também essencial fazer isso sem o rabo preso com anunciantes.
Jornalismo renovado
Foi dessa urgência que surgiu a ideia de fazer a revista AzMina. Se eu não me sentia representada pelo jornalismo para mulheres – e mais que isso, muitas vezes me sentia agredida por ele – outras mulheres também se sentiriam. Reunimos um grupo de jornalistas talentosas e experientes identificadas com esses ideais e criamos o projeto da revista AzMina, que vem para entregar um jornalismo investigativo, bem escrito e transgressor para mulheres.
A revista será digital e de graça, e a questão natural é: como ela vai se pagar? Não queremos depender de anunciantes, não queremos “comer na mão” das grandes marcas. Isso seria reproduzir os erros das revistas atuais. Quem de fato vai bancar o negócio é o público, são as mulheres, com colaborações voluntárias, no esquema de crowdfunding e mecenato, que diversas outras publicações, como a Agência Pública, já utilizam. Anunciantes podem (e devem) investir na revista AzMina, mas com a ciência de que nenhuma letra de um texto mudará para agradá-los. Criamos o conceito de publicidade amiga da mulher, segundo o qual serão vetados anúncios preconceituosos, que preguem padrões de beleza não saudáveis ou machistas.
Nossos anunciantes são apenas uma parte da cadeia e não a mais importante. Nós não visamos lucro, mas todo dinheiro recebido pelas nossas arrecadações será revertido em melhorar a revista e pagar nossos profissionais de maneira justa. Isso nos deixa livres de amarras para criar, por exemplo, ensaios de moda com todos os tipos de beleza, matérias sobre trabalho escravo que denunciem qualquer marca, editorias para lésbicas e colunistas trans.
O projeto tem recebido muitíssimos elogios e cartas entusiasmadas, mas também algumas poucas críticas, o que é natural. Afinal, como eu disse, é momento de se repensar o jornalismo e isso quer dizer tentar, errar e mudar até acertar. O principal é tentar. É não desistir e, para isso, sempre se perguntar: para que serve o jornalismo? Hoje o supérfluo é feito por qualquer pessoa na internet. Chegou a hora de o jornalismo voltar a fazer diferença social, das mais variadas formas, e voltar a ser 100% para quem lê e não para o anunciante. Espero, do fundo do meu coração, conseguir.
E se você ficou interessado, pode conhecer mais nosso projeto na página do Facebook e no nosso crowdfunding. Muito em breve esperamos colocar a revista no ar e toda essa promessa de jornalismo feminino renovado que vem com ela. Toda ajuda é mais que bem vinda!
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Helena Bertho é subeditora executiva da revista AzMina – para mulheres de A a Z