Em sua coluna de domingo [8/6/08], a ombudsman do Washington Post, Deborah Howell, falou sobre a relação entre as agências do governo e a mídia. Repórteres – do Post ou de qualquer outro veículo – não costumam fazer reportagens investigativas para comprovar que algo vai bem; por isso, quando funcionários do alto escalão de agências governamentais são contatados por jornalistas para algum comentário sobre investigações, sabem que não se trata de uma boa notícia.
As investigações são vistas de maneira diferente por agências e por repórteres. As agências não gostam de ver o vazamento de documentos, entrevistas de funcionários insatisfeitos ou a divulgação de problemas. Estes órgãos vêem com indignação o fato de veículos de comunicação revelarem ao público questões que estão sendo ou ainda serão resolvidas.
Diante deste contexto, não foi surpresa alguma que agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, sigla em inglês) tenham ficado irritados com uma série publicada em maio sobre o tratamento médico recebido por imigrantes detidos nos EUA. As repórteres Dana Priest e Amy Goldstein detalharam erros que levaram, nos últimos cinco anos, à morte de 83 imigrantes detidos, revelaram falhas no tratamento de saúde mental, mostraram que suicídios poderiam ter sido evitados e que alguns medicamentos dados a deportados na viagem de volta ao país de origem eram desnecessários.
O cuidado médico de imigrantes é administrado pela Divisão de Serviços Médicos de Imigração (DIHS, sigla em inglês) do ICE. A secretária de imprensa do órgão, Kelly Nantel, disse que a série foi ‘editorialmente anti-ética e deturpadora’, prejudicando mais que ajudando. Kelly afirmou ainda que profissionais de saúde da DIHS estavam arrasados com a série e alegou que o ICE está ‘determinado a garantir a segurança e o bem-estar de milhares de indivíduos que são detidos a cada ano’.
Apuração
As duas repórteres receberam dicas de que problemas sérios estavam comprometendo o tratamento de saúde de imigrantes detidos, sem o conhecimento do ICE, e resolveram apurar melhor a denúncia. Elas passaram meses investigando o caso, pesquisando milhares de documentos do governo, entrevistando detidos, seus familiares, advogados e fontes que conhecem o sistema de saúde do órgão. Apenas quando a investigação estava quase no final, pediram comentários à agência.
Um dos pontos levantados na série é que o órgão, criado em 2003, não está preparado para lidar com o número crescente de detidos por ano. As matérias chamaram a atenção do Congresso – o que pode ajudar a resolver alguns problemas. Deborah lembra que foi com uma série semelhante que o Post conseguiu dar destaque à situação médica do hospital militar Walter Reed.
Neste caso, a denúncia não atraiu tanta atenção dos leitores como ocorreu com o do hospital que cuida de veteranos militares – a maior parte dos imigrantes é pobre, já cometeu algum crime e será deportada em breve. Na coluna da ombudsman na internet estão disponíveis, na íntegra, uma carta da ICE e a resposta de Deborah ao órgão.