O jornalista e escritor Joel Silveira morreu na quarta-feira (15/8), aos 88 anos, em seu apartamento da Rua Francisco Sá, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Repórter de mão-cheia e autor de 40 livros, Silveira era sergipano e morava no Rio havia 70 anos.
A fase da ‘grande reportagem’ ocorreu durante o Estado Novo com jornalistas como Edmar Morel, David Nasser e Samuel Wainer colocando o repórter como principal personagem do meio jornalístico. Nesse período, Joel Silveira se destacou como um repórter por vocação e de talento inegável para contar histórias. Essa aptidão começaria a ser reconhecida em 1943 com a reportagem ‘Grã-finos em São Paulo’, publicada pelo Diário da Noite. Matéria em que o sergipano, há 70 anos no Rio de Janeiro, narrou os bastidores dos salões de festas de tradicionais famílias paulistas.
‘Ele morria de inveja de um personagem que o Victor Hugo citava que era guilhotinado e minutos antes de morrer dizia `lamento morrer porque eu queria ver o resto´. Se ele pudesse fazer a cobertura da sua própria morte, ele faria’, afirma Geneton Moraes Neto, que se define como ‘um amigo e pupilo há vinte anos’ do jornalista. A pedido de Silveira não haverá velório, mas a cerimônia de cremação será às 14h, da quinta-feira (16/08).
Nesta quarta-feira, o jornalista morreu de causas naturais aos 88 anos. Segundo sua filha, Elizabeth Silveira, ele sofria de câncer de próstata, mas não quis se tratar para poder morrer em casa. Com passagens por jornais como O Estado de S. Paulo, Correio da Manhã, Última Hora e a revista Manchete, ele deixa como referência um padrão de qualidade nas reportagens que hoje deixou de ser comum.
Trincheiras
Durante a Segunda Guerra Mundial, o jornalista emprestaria seu talento para a cobertura do conflito junto com a Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Itália. Na época, houve a transição do trabalho de correspondentes de guerra dos militares para os civis.
‘A guerra que cobri era uma guerra aberta, senti o gosto no sangue. A que o Joel cobriu foi de trincheira, de acampamento. Ele escreveu sobre o cheiro da guerra. Um cheiro de óleo diesel e excremento humano’, descreve o correspondente José Hamilton Ribeiro, que esteve no Vietnã.
Ribeiro reitera que a imprensa nacional dá cada vez menos espaço para trabalhos como os de Silveira. ‘Como o repórter de grande profundidade que ele era, seu espaço foi cada vez mais asfixiado. Não é comum publicar grandes reportagens, à exceção, talvez, da Brasileiros‘, opina.
Brasileiro & Brasileiros
‘A revista que a gente faz é pra gente como o Joel Silveira. Se a gente pudesse escolher um símbolo para a revista seria ele’, concorda o jornalista Ricardo Kotscho, diretor-adjunto da Brasileiros. ‘É um grande contador de histórias. De boas histórias’, revela Kotscho, usando o presente para o jornalista imortalizado por cerca de 40 livros.
Para Geneton, o fato de há duas décadas o jornalista não trabalhar regularmente em um jornal é triste para a história do jornalismo nacional. ‘É como se o Brasil estivesse abrindo mão de um talento raro, o Brasil não podia se dar a esse luxo’, protesta. ‘Podemos dizer que hoje morreu o maior repórter brasileiro.’
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Carreira marcada por talento literário e opiniões firmes
Com seis décadas de jornalismo, Joel Silveira colocaria ‘na galeria nacional do ridículo’ tocadores de cavaquinho – ‘não existe nada mais grotesco do que um sujeito barrigudo e suado tocando cavaquinho’ –, os alpinistas – ‘por que aqueles idiotas não pegam um avião para olhar as montanhas do alto?’ –, os turistas e ‘o velho que quer parecer moço’. O jornalista jamais teve problemas em manter e expor suas convicções como quando se candidatou à Academia Brasileira de Letras, em 2001.
Silveira pleiteava a vaga de um escritor que detestava: Jorge Amado. Como concorrente, tinha a escritora Zélia Gattai, viúva do autor de Capitães da Areia, e que contava com a ampla simpatia de toda a Academia. ‘Ele me disse: `Sabe de uma coisa? Vou me candidatar só para atrapalhar a Zélia Gattai´, que ele considerava uma subliterata’, explica Geneton Moraes Neto, repórter especial da TV Globo.
O jornalista perdeu a eleição, vencida por Zélia que teve a seu favor a desistência do escritor Paulo Coelho, vencedor da eleição seguinte. ‘Eu não entendo o fenômeno do Paulo Coelho. O Bill Clinton lê, o Chirac leu, o mundo inteiro lê e eu tentei ler, mas vomitei. Eu acho horroroso. Mandaram um exemplar para mim, mas mandei devolver porque não quero infectar minha biblioteca. Eu considero isso a sub-sub-subliteratura, mas ele vende até na Tailândia’.
Do patético ao dramático
Para Geneton, Silveira foi o precursor do Novo Jornalismo (ou New Journalism), antes mesmo de profissionais como Gay Talese e Truman Capote. Colega de redação do dramaturgo Nelson Rodrigues, Silveira teve apenas um curto e objetivo diálogo com ele.
‘Uma vez, estava escrevendo alguma coisa. De repente, Nelson Rodrigues caminha em minha direção, fica parado diante de mim com um cigarro pendendo na boca e exclama: `Patético!´. Em seguida, foi embora, em silêncio. Quando acabei de escrever, fui até a mesa de Nelson – que batia à máquina com dois dedos – e fiz a mesma coisa. Fiquei em silêncio vendo-o escrever. Depois, disse, simplesmente : `Dramático!´. Fui embora. Nosso único diálogo resumiu-se a estas duas exclamações – `patético´ e `dramático´’, sintetizou o jornalista em entrevista a Geneton Moraes Neto.
Com vinte anos de convivência, em uma relação ‘quase paternal’, Geneton lembra que o jornalista chegou a falar seu próprio epitáfio: ‘Aqui jaz um desafortunado que em vida não conseguiu ler Guerra em Paz no original’. Curiosamente, Silveira preferiu não ter um velório para ter uma frase em sua lápide, mas apenas uma cerimônia de cremação.
Necessidade
O repórter da TV Globo comenta que Silveira nunca se adaptou ao computador e chegou a ter antipatia pelos PCs. ‘Quando escrevia um livro, ele chamava um cara que consertava a máquina de escrever’. Em uma época em que muitos jovens jornalistas acostumaram-se ao googlejournalism, o jornalista provavelmente nunca usou o famoso site de buscas para nenhuma apuração. A busca pelo seu nome no site revela mais de quinze mil páginas. Silveira não precisava do google, mas o google precisava dele. E o jornalismo também. (Tiago Cordeiro)
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Da Redação do Comunique-se