Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Representação da cidadania em nome da democracia

A mídia constitui o palco contemporâneo do debate público. Ela é um terreno de disputas ferrenhas onde as representações ideológicas de diversos grupos buscam espaço para fincar seus valores e construir a realidade de acordo com seus interesses. Na sociedade democrática – sabemos que essa disputa acontece de forma ferrenha –, tornou-se histórico e mais do que conhecido o dever da mídia em buscar sempre o equilíbrio para atender ao interesse público.

Contudo, as transformações da esfera pública – o aumento dos interesses privados – mostram que o espaço midiático, antes destinado a discutir questões públicas, está sendo substituído por representações de espetáculo. Isso porque interesses dos próprios veículos de comunicação se sobrepõem à agenda pública ou ditam o que deve ser chamado de agenda pública.

Estudos específicos de jornalismo – principalmente no que diz respeito ao forte desenvolvimento das chamadas teorias do jornalismo – ajudam os profissionais a resistir e lutar por uma produção mais crítica da notícia. Impossível? Claro que não.

Estabilidade e credibilidade

Em primeiro lugar é interessante resgatar alguns princípios do bom jornalismo. Relaciono aqui os preceitos de dois teóricos, Bill Kovack e Tom Resentiel. São princípios elementares que os jornalistas não podem esquecer. Além disso, são pontos que o público deve exigir:

1) A primeira obrigação do jornalismo é com a verdade;

2) Sua primeira lealdade é com os cidadãos;

3) Sua essência é a disciplina da checagem;

4) Seus praticantes devem manter independência de quem estão cobrindo;

5) Deve funcionar como um monitor independente do poder;

6) Deve apresentar um fórum para a crítica pública e o compromisso;

7) Deve lutar para transformar o fato significante em interessante e relevante;

8) Deve manter as notícias compreensíveis e equilibradas;

9) Seus praticantes devem ter liberdade para exercer a consciência pessoal.

Esses princípios favorecem a cidadania. E mesmo que atualmente se alegue que o jornalismo atravessa uma crise de desconfiança, é inegável que o profissional goza de certa liberdade para dar seus enfoques interpretativos à reportagem. Até porque os grandes jornais vivem de credibilidade e, por mais maniqueístas que sejam, sabem que é a credibilidade que os sustenta. É a credibilidade que atrai leitores e, conseqüentemente, anunciantes.

Sendo assim, o jornalista não pode deixar de praticar esta liberdade editorial. Sua resistência deve ser diária. Sua crença na democracia e no bem do cidadão deve estar acima de um bom emprego. Até porque se a sua credibilidade individual for manchada será seu próprio suicídio profissional e, certamente, o mais prejudicado da história. Sua estabilidade numa empresa está intimamente ligada a sua credibilidade.

Olhar o acontecimento ao inverso

Se analisarmos o modo de produção jornalística, conforme já diagnosticaram os estudos do newsmaking, veremos que é plenamente possível praticar o jornalismo de resistência. Quando o repórter sai às ruas é porque, no mínimo, goza da confiança de seu editor para apurar os fatos corretamente. Ou seja, o enfoque interpretativo que o nosso repórter trará para a redação será, basicamente, o oficial. Até porque, na rotina diária de uma redação, o editor não terá como fazer uma nova confirmação dos dados.

Não estou dizendo que o jornalista deve fazer política partidarista, seguindo a ideologia de esquerda ou direita. Não se trata disso, mas, como diz Felipe Pena, no livro Teoria do Jornalismo, trata-se de olhar o acontecimento ao inverso.

Usando o mesmo exemplo que Pena usou em seu livro, digamos que no último mês uma onda de assaltos assustou os moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro (área nobre da cidade). E, com isso, a estatística de violência na região, conseqüentemente, disparou. Assim, os jornais, claramente, pediram aos seus repórteres para questionar as autoridades sobre quais as medidas serão tomadas, para reverter o quadro.

Despertar o leitor

A resposta quase sempre será a mesma. ‘Vamos aumentar o efetivo da polícia militar na região, colocar mais guardas municipais nas ruas dos bairros, instalar cabines de segurança etc.’ No jornalismo de resistência, o repórter não deixará de pensar no restante da população, que não mora nas áreas nobres – aliás, parcela que constitui a maioria dos cariocas.

E, assim, vários questionamentos poderão ser feitos. ‘1) De quais bairros do subúrbio esse efetivo extra da polícia militar e da polícia municipal será tirado? 2) De acordo com o histórico de estatísticas de violência no Rio, os bairros do subúrbio são sempre os mais violentos. Esse remanejamento não irá prejudicar ainda mais a vida dos cidadãos dessa região?’ Não há um editor que negará a seus repórteres a publicação de questionamentos como esses. Eles mostram equilíbrio, possuem interesse público e, certamente, despertam os potenciais leitores a consumir o produto noticioso.

Como pode ser visto, portanto, o jornalismo de resistência é viável e se encaixa sem grandes esforços no modelo de produção diária do jornalismo atual.

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Jornalista e professor de História, Rio de Janeiro, RJ