Nas bancas de revista os cartazes alardeiam o lançamento. No dia 31 de agosto chegou a Revista da Semana, mais recente empreitada da Editora Abril. A propaganda no rádio anuncia um produto para quem quer se informar de forma rápida e objetiva. Na web, a acesso à edição digital é livre. Repleta de caixas informativas, com temáticas variadas, a revista dá no máximo uma página aos assuntos que quer destrinchar melhor. O modelo, visto com entusiasmo por alguns, parece, contudo, uma repetição paradoxal do que se estampa nos portais de internet.
A professora Beth Saad, do Departamento de Jornalismo e Editoração da Universidade de São Paulo, é especialista em estratégias de empresas informativas na web e comenta esse fenômeno mercadológico. Para ela, que estuda as faces do jornalismo digital, trata-se da revelação de uma ainda inexistente cultura jornalística para web capaz de competir em qualidade com o que é oferecido pelas mídias corporativas. A transferência desse padrão para os impressos é apenas mais um indício da incipiência do debate sobre as mídias digitais em sua relação com a linguagem jornalística tradicional. A seguir, sua entrevista.
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O lançamento da revista abre uma polêmica sobre como o jornalismo se apropria da linguagem que está na internet, da forma que está na internet, e, nesse caso específico, simplesmente para aumentar mercado. Porque percebe que tem uma parcela que só se informa com pílulas de informação, pela internet, ou porque não tem tempo, e aí oferece um produto que é praticamente um conjunto de boxes, com 150 assuntos diferentes. Como avalia a nova revista? Isso pode refletir um despreparo da imprensa tradicional em relação às novas tecnologias?
Beth Saad – O que eu acho é que está havendo sempre uma tentativa da imprensa tradicional em traduzir ações que são típicas do meio digital para o meio impresso. Do mesmo modo que foi a Mais Você, agora está sendo a Revista da Semana. Ou seja, tentar traduzir para um linguagem linear, a linguagem que é multidimensional. Na internet ela consegue se desenvolver muito bem, exatamente porque tem múltiplas perspectivas, e, no meio que é linear apenas e unidimensional, isso não consegue acontecer, porque não é o suporte adequado. Então acaba que ficando quase que uma colcha de retalhos. Quase não, uma colcha de retalhos, no caso da Revista da Semana, que não acrescenta nada, apenas tenta trazer para o leitor uma facilidade, a intenção de facilidade, a intenção de apresentar um resumo, ou trazer, em um único produto, uma somatória dos acontecimentos da semana, mas que, no fundo, não traz profundidade, não traz análise. Ou seja, não traz aquilo que seria o novo papel da mídia impressa, nesse contexto novo de transformação das mídias por meio da digitalização.
Acredita mesmo que o papel da imprensa hoje é de ‘aprofundador’?
B.S. – É. Hoje, com o que a internet pode oferecer e com a capacidade que ela dá ao usuário, de ele mesmo montar esta cesta de informações e ter uma diversidade de fontes, o que é importante para imprensa tradicional, a escrita, por exemplo, é justamente aprofundar e oferecer opinião analítica, que a internet não tem condição de olhar. Então a imprensa escrita exatamente podia complementar a informação diversificada que ele teria na web, oferecendo justamente essa análise bastante aprofundada, uma coisa mais opinativa, que ela não está fazendo. Na verdade, hoje, o que a gente tem visto é copiar. É uma cópia dessa montanha de pequenos dropes informativos e não do aprofundamento.
Le Monde Diplomatique Brasil, que foi lançado agora, tem um texto do Pierre Lévy em que ele não fala diretamente do jornalista, mas dos intelectuais como um todo. Diz que a web semântica está sendo explorada só pelas corporações e as ciências humanas estão deixando isso completamente de lado. Não pensam nesse espaço de comunhão do conhecimento como um espaço em que ela tem que estar, que as ciências humanas têm que dominar. Acho que é pouco dessa negligência que o jornalismo tem com o modelo digital. Ele não se prepara para o modelo digital.
B.S. – Não, não se prepara. Na verdade, eles estão perseguindo copiar o que a web oferece e não explorando a capacidade que a web dá para o jornalismo de dar esse aprofundamento, essa complementação. Então fica difícil. Você não chega a nada no final. Você fica copiando uma coisa que não é a sua função; a sua função é narrativa, a sua função é aprofundamento, é análise, é definir uma opinião, é tentar formar a opinião de um grupo social, e não é isso que o jornalismo está buscando, nesse momento. Nesse momento ele está buscando copiar, não é a superficialidade, mas essa coisa de diversidade, de multiplicidade que a web oferece. E acaba perdendo um enorme espaço que está sendo preenchido por outros núcleos, que não é do jornalismo. São as corporações, são as instituições, organizações sociais, outros grupos sociais que não o jornalismo. E é uma pena isso. É uma pena.
Vê algumas iniciativas em internet, em jornalismo, que possam apontar no sentido de uma vanguarda que se oponha ao modelo que essas revistas têm apresentado? Que, na internet, se apropriem das formas que a internet oferece para o jornalismo?
B.S. – A gente tem visto aí muitos blogs de opinião, seja de indivíduos ou blogs coletivos, que estão explorando essa idéia de análise, de aprofundamento. Isso está sendo bastante diferenciado. Acho que é um caminho, mas não no Brasil, ainda não no Brasil. Você vê blogs como o Mediashift, do Mark Glaser, que têm repercussão no próprio meio jornalístico. E são quase blogs, não só de crítica da mídia, mas também de discussão de temas coletivos, que fazem links com conteúdos também disponíveis, mas que são longos, são textos, são posts de reflexão, opinativos. Outro dia mesmo eu estava lendo um post dele que fala exatamente sobre redes sociais e como a mídia está usando esse recurso de redes sociais. E eram quase duas telas de informação e tinha uns vinte links inseridos ali, onde você conseguia fazer um panorama, nos Estados Unidos e na Europa, de como é que os meios de comunicação estavam se apropriando desta ferramenta que a web oferece, que são as redes sociais. É bem interessante. Têm surgido aí algumas formas de explorar essa coisa opinativa muito interessantes. Mesmo no Brasil, por exemplo, você tem revistas de opinião como a Piauí, por exemplo, que é uma coisa de baixa circulação, pouca gente lê, mas é uma iniciativa. Mas ainda não está espalhado isso na grande imprensa.
Um bom exemplo é o jornal argentino Clarín.
B.S. – Eles conseguem desenvolver um conteúdo completamente diferenciado, sem deixar de oferecer também o hardnews. Eles continuam lá dando as notícias minuto a minuto, não deixam ninguém ‘na mão’. Mas, ao mesmo tempo, eles conseguem pinçar conteúdos do dia-a-dia, que merecem ser mais explorados, aprofundados, e criam coisas interessantíssimas. E nós, ainda assim, não temos essa condição de sair da rotina de notícia de última hora e olhar e falar: ‘Bom, nós conseguimos olhar para outro espaço e fazer correlações nesse espaço, e, a partir dessas correlações, produzir material de forma que o leitor ou o usuário consiga olhar para aquela informação de uma maneira… com outros recortes, e não com aquele recorte linear’. Ainda falta.
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Estudante de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo