Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Revistas ‘femininas’ ou ‘feministas’?

Desde o surgimento da primeira revista voltada para as mulheres, na França, em 1693, intitulada Mercúrio das Senhoras, a chamada ‘imprensa feminina’ vem apostando em assuntos que julga ser os mais interessantes para seu público-alvo, como moda, beleza, casa e decoração. Ao longo dos anos, as publicações voltadas para as mulheres passaram por diversas modificações estruturais, desde a diagramação até o conteúdo textual. Assim, as revistas foram aos poucos assumindo o modelo de veículo de informação e entretenimento adotado hoje. Modelo este que trata a figura feminina inserida em uma sociedade hierarquizada, marcada por um regime patriarcal, em que a mulher está sujeita à autoridade do homem.

As próprias bases do sistema social são marcadas pelas diferenciações e divisões de trabalho. A mulher é destinada à reprodução, sua sexualidade e seus papéis são definidos pelos homens. Ao mesmo tempo, esta figura aparece tematizada por trás de um estereótipo de mulher independente e bem resolvida, aplicado, contraditoriamente, pela própria ‘imprensa feminina’.

Com sua linguagem sedutora e persuasiva, esta imprensa dirige-se para a mulher moderna ao falar de assuntos como comportamento, trabalho, filhos, casa, culinária, corpo, beleza e sexo. Neste segmento, as matérias são frias e os assuntos decorrentes, no Brasil e no mundo, são por vezes descartados ou tratados superficialmente, como se a informação factual não fosse tão importante quanto os demais temas. No entanto, as publicações afirmam que a mulher precisa, sim, conquistar seu espaço na sociedade, ter um bom emprego; mas também tem que manter relacionamento estável, ter um corpo perfeito, cabelos impecáveis, estar sempre na moda e ainda tem que ser boa mãe. Da maneira como estes temas aparecem, o que se entende é que a felicidade de uma mulher só pode ser alcançada caso todos estes aspectos estejam em harmonia.

Profissão e maternidade

Mesmo sendo alvo de preconceitos e ganhando salários inferiores, hoje as mulheres ocupam cargos antes considerados exclusivamente masculinos, tendo ainda que provar sua capacidade de acumular as funções. O que se vê nas reportagens de algumas ‘revistas femininas’, muitas vezes é a politização do sexo, ou seja, assimilar-se ao gênero masculino. Esta passou a ser não uma questão de nivelar direitos, mas sim, de força. As mulheres, portanto, acumulam diversos papéis sociais (e todos devem ser bem representados), além de se mostrarem fortes e independentes a ponto de constituírem uma nova classe. Um misto entre o feminismo (pôr em questionamento estes papéis, mobilizar) e o feminino (confirmar os papéis tradicionais impostos pela cultura de massa).

Romantismo, erotismo e desejos de consumo estão presentes no conteúdo das revistas, mas idealizados e tematizados no modelo imposto pela indústria cultural, podendo-se concluir que a mulher da cultura de massa está disposta a igualar-se ao gênero masculino, no sentido de força e capacidade profissional, sem deixar de lado as tradições e os papéis sociais femininos de mãe e de uma boa esposa.

Verbos, adjetivos e substantivos aparecem nas matérias contribuindo para a exaltação da personagem, mostrando-a como uma mulher modelo. É assim, por exemplo, quando se trata de mulheres realizadas na vida profissional, mesmo que para isto tenham aberto mão da maternidade. O feminismo contrapõe neste ponto com o feminino, gerando alternativas contraditórias pela tentativa incansável de conciliar as mais diversas tarefas sem deixar de ser a tradicional dona-de-casa.

Capacitadas e preparadas

A feminilidade é reforçada pela indústria cultural que, ao utilizar a mídia, principalmente as ‘revistas femininas’, como catálogos de venda (seções específicas para mostrar e vender produtos de todos os tipos), transforma as mulheres em consumidoras assíduas de produtos de beleza, tratamentos estéticos e cirurgias plásticas. Além disso, é responsável por trazer à tona a tradicional performance da mulher do lar e da família, carregando a fantasia de que ela deve permanecer encerrada nessa realidade. O feminismo, em contrapartida, quer mostrar que a mulher não se limita a essa atuação e pode se tornar reconhecida e realizada através de sua atividade.

Toda essa cominação da ideologia feminista feita, muitas vezes, pela própria ‘imprensa feminina’, acabou por transformar esse cenário, em que as mulheres ‘brigam’ pelos mesmos espaços e direitos que os homens, sofrendo com a discriminação ao serem comparadas a eles, mas ainda assim mantendo as conquistas do universo masculino como modelos a serem alcançados.

Mesmo tendo o lado profissional mais valorizado atualmente, os afazeres domésticos não foram excluídos da lista de tarefas diárias femininas. Trabalhar para crescer e ser reconhecida na carreira, cuidar da casa, dos filhos, do marido e ainda ter tempo de cuidar de si mesma, mantendo o corpo em forma e a boa aparência são ocupações cada vez mais exigidas da mulher moderna. Esta deve exercer todas elas harmonicamente, fortalecendo a multifuncionalidade da figura feminina nos dias hoje.

Seria utópico pensar que as ‘revistas femininas’ têm o poder de mudar o pensamento hierárquico comum ao sistema social brasileiro, transformar os valores impostos por ele, já que nem mesmo movimentos voltados para a questão, como o movimento feminista, conseguiram fazê-lo. O que pode, sim, ser feito, acredita-se, é mostrar que as mulheres estão, de fato, tão capacitadas e preparadas para encarar o mercado de trabalho quanto os homens, conciliando a vida doméstica e a vida pessoal, sem que isto seja visto como um problema a ser solucionado ou uma conquista fabulosa.

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Jornalista, Três Rios, RJ