A notícia soou como uma nota de alívio em meio ao esforço dos grupos de mídia para encontrar uma maneira lucrativa de levar seus produtos tradicionais para a internet. No fim de outubro, o grupo americano Condé Nast – responsável por revistas prestigiadas como Vogue, The New Yorker e Vanity Fair – revelou que suas vendas de assinaturas aumentaram 268% por semana, em média, depois de a Apple lançar, no início daquele mês, o aplicativo “Newsstand”, uma banca de jornais eletrônica para iPad. As vendas de exemplares avulsos cresceram espantosos 142%, informou a companhia de revistas.
Os números são relevantes por si só, mas o ponto importante é que indicam uma possível reversão da expectativa dos grupos de mídia em relação aos meios eletrônicos. A internet provocou a desconfiança das empresas jornalísticas ao disseminar a ideia de que as pessoas podiam ter tudo o que quisessem na rede sem pagar nada por isso. Com o tablet, parece haver a chance de um recomeço, sob um modelo de serviços pagos, como mostra a experiência da Condé Nast.
O Valor ouviu executivos das maiores empresas de revistas do Brasil para saber como elas têm usado os tablets para reforçar seus negócios. As estratégias variam, mas todas têm levado a sério esses dispositivos, que se tornaram sonho de consumo da classe média, o público típico das revistas. A Editora Abril, que começou a investir em aplicativos para tablets em 2009, já obtém lucro com a venda dessas edições digitais, afirma Fernando Costa, diretor de assinaturas da empresa. Em 2009, a Abril lançou o aplicativo da revista Veja. Até o fim de outubro, a aplicação havia sido baixada em aproximadamente 250 mil aparelhos. “O volume de assinaturas ainda é pequeno, mas deve crescer à medida que aumenta a adoção de tablets no país”, afirma Costa.
500 mil usuários até dezembro
No ano passado, a Abril lançou quatro títulos para tablet. O processo foi acelerado neste ano, com 18 revistas, totalizando 23 títulos atualmente. Juntos, eles registraram 500 mil downloads. A editora prevê lançar outros títulos até o fim do ano. Segundo Costa, uma das vantagens da adoção da plataforma digital é a atração de novos leitores. Do total de assinantes das versões para tablets, 10% não eram assinantes das revistas impressas. A Abril vende assinaturas exclusivas para tablets sob o mesmo preço da revista impressa. A exclusão é a Veja, que tem preço 2,5% inferior. “A editora preferiu atribuir à versão digital o mesmo preço que a impressa e o mercado tem aceitado essa proposta”, afirma Manoel Lemos, diretor de tecnologia digital da Editora Abril.
A Editora Globo decidiu vender assinaturas da versão para tablet a preços mais baixos que as assinaturas impressas, com variação que vai de 26,7% (no caso da Época Negócios) a 83,5% (Época). “O leitor espera que a versão digital custe menos, em função da economia com logística e impressão. Mas o modelo de negócios ainda não está definido, é algo a ser trabalhado até 2012”, diz Alexandre Maron, diretor de inovação digital da Editora Globo.
A companhia já lançou versões para tablet das revistas Época, Época Negócios, Galileu, Autoesporte e Vogue (em parceria com a Condé Nast). A Época, diz Maron, reúne a maior audiência, com 200 mil downloads entre aplicativos para iPad, iPhone e iPod Touch, da Apple. De acordo com o executivo, esse número cresceu de sete a oito vezes em menos de dois anos. A editora também oferece 16 aplicativos para iPhone de outras revistas, e prevê chegar a 500 mil usuários desses aplicativos até dezembro.
A “alta-costura” da mídia impressa
Independentemente da política de preços para assinaturas nos tablets, a maioria das companhias tem adotado modelos pagos, diz Youssef Mourad, executivo-chefe da Digital Pages, que desenvolve aplicativos para editoras. As possibilidades são inúmeras e incluem, por exemplo, os combos (impresso mais digital). “Os tablets conseguiram reproduzir melhor o paradigma do impresso do que a internet. E as editoras estão gerando receita com a assinatura digital”, afirma o executivo.
Entre as maiores companhias do setor, a Editora Três é, por enquanto, a exceção quanto ao modelo pago. A empresa decidiu oferecer acesso gratuito às versões para tablet de suas revistas, mas apenas para testar o formato, diz Adriana Morrone, diretora de mídias digitais da companhia. A Três contabiliza 140 mil downloads de aplicativos para iPad desde 2010. A empresa possui sete títulos na versão digital e planeja lançar mais revistas até janeiro. “Optamos por oferecer os títulos gratuitamente neste ano, mas, em 2012, começaremos a cobrar por edição avulsa e pacotes de assinaturas”, afirma a executiva. A Editora Três negocia com fabricantes de tablets a inclusão de seus aplicativos nos equipamentos já na fábrica, como forma de estimular mais leitores a experimentar os produtos digitais.
Por enquanto não há estatísticas oficiais sobre assinaturas para tablets, mas é provável que esses produtos digitais estejam atraindo um público novo, diz Roberto Muylaert, presidente da Associação Nacional de Editoras de Revistas (Aner). O mais recente relatório do Instituto Verificador de Circulação (IVC) indica que de janeiro a agosto as vendas de assinaturas de revistas em geral caíram 0,88%, para 2,9 milhões de exemplares. Não há dados específicos para tablets.
“A adesão [das editoras] às novas mídias aumentou neste ano. Já existem 196 mil usuários de tablets no país e certamente esse número aumentará à medida que os preços dos aparelhos baixarem”, afirma Muylaert. Para a Aner, as revistas equivalem à “alta-costura” da mídia impressa, devido à qualidade das publicações. Os tablets também são avaliados como computadores que oferecem ao usuário uma experiência diferente de outros equipamentos. A união de ambos, diz Muylaert, é percebida pelos leitores como um produto de alto valor agregado, o que justifica pagar uma assinatura.
***
[Cibelle Bouças é jornalista do Valor Econômico]