Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Revolução gramsciana

Curiosa e estranhamente, ainda não consta da pauta de preocupações de midiólogos brasileiros o viés ideológico artificialmente escondido no fenômeno de duplo efeito sincronizado – explosão da internet e implosão dos jornais –, como parte da arquitetura de uma governança mundial. Mas é um tema que merece atenção. Um sugestivo ponto de partida para consideração dessa hipótese é este pensamento de raiz ideológica: “Os jornais são aparelhos ideológicos cuja função é transformar uma verdade de classe num senso comum, assimilado pelas demais classes como verdade coletiva – isto é, exerce o papel cultural de propagador de ideologia. Ela embute uma ética, mas também a ética não é inocente: ela é uma ética de classe.”

Sabem quem afirma isso? Um dos maiores filósofos políticos do século 20, cientista político, reformista, comunista e antifascista italiano, Antonio Gramsci (1891-1937). Considerado “o marxista das superestruturas”, Gramsci divide a sociedade entre infraestrutura (forças produtivas) e superestrutura (ideologia, constituída pelas instituições, sistemas de ideias, doutrinas e crenças). Mas ele é famoso principalmente pela elaboração do conceito de hegemonia e também pelo estudo da força cultural da sociedade, chamada superestrutura no marxismo clássico, que gera ação política produzindo e reproduzindo hegemonia.

Obviamente, essa crítica de Gramsci, postado na margem esquerda do rio político, tem endereço certo: os jornais dos países capitalistas, maioria no mundo. Se aceita como verdadeira, deve-se admitir também como verdadeira a mesma crítica se destinada aos jornais de países socialistas. Ou não? Entre os socialistas, o poder é garantido fundamentalmente pela “hegemonia” cultural que os dirigentes do Partido Comunista exercem sobre a população dominada, através do controle do sistema educacional, do sistema de ideias e do sistema de comunicação. Assim, os dominantes “educam” os dominados para que estes vivam, resignadamente, em submissão ao Estado.

“Um outro mundo é possível”

Que tem a ver tudo isso com o gigantismo da internet e a crise atual dos jornais? Gramsci é um guru do comunismo internacional tanto quanto Lênin. Ambos defendem a hegemonia comunista, mas usando métodos diferentes: enquanto Lênin é adepto das estratégias violentas, Gramsci é adepto das estratégias pacíficas. Do outro lado, na margem direita do rio, o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, principal representante atual do pensamento conservador no país, observa criticamente: “Lênin foi o teórico do golpe de Estado, Gramsci foi o estrategista da revolução psicológica que deve preceder e aplainar o caminho para o golpe de Estado. Gramsci transformou a estratégia comunista, de um grosso amálgama de retórica e força bruta, numa delicada orquestração de influências sutis.”

Em sentido gramsciano, a internet é o aparelho tecnológico de um movimento político-ideológico (revolução racional pacífica), para promoção da governança mundial, conduzido por líderes intelectuais (pensadores e teóricos) e líderes políticos, sobretudo da esquerda reformista e do “centro-esquerda”. São três as metas principais dos líderes dessa revolução silenciosa: fim dos jornais, fim das igrejas e fim das famílias. Consideram esses três segmentos sociais sustentáculos e realimentadores do que chamam imperialismo capitalista. Dá para perceber que os fundamentos das igrejas e das famílias já estão abalados.

Quanto à imprensa, infelizmente, a internet está realizado um dos sonhos dos comunistas ao longo de toda a sua história: destruição da força dos jornais porque, segundo entendem, criam, sustentam, reproduzem, promovem e fortalecem a hegemonia do capitalismo. Será uma grandiosa e emblemática vitória, para eles, se houver a prevista abolição dos jornais nos Estados Unidos, maior potência capitalista e maior democracia do mundo. Pode parecer delírio, mas há razões para se acreditar que a expansão avassaladora da internet, onde todos os povos se encontram, sob o mando da liberdade, igualdade, velocidade e interatividade, e a atual crise dos jornais, fazem parte da arquitetura da sutil e silenciosa revolução gramsciana rumo ao socialismo global.

Mesmo sendo uma revolução sutil e silenciosa, mas com efeitos drásticos de transformação do mundo, Gramsci é tão maquiavélico que deixou um calmante para os donos de jornais, atualmente atormentados e atordoados: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem.” Como o colapso lento e gradual dos jornais, sobretudo nas grandes democracias. Os seguidores de Gramsci acreditam que um mundo novo está para surgir, pois “um outro mundo é possível”. Por isso, paciência é outra estratégia da revolução gramsciana para alcançar seu objetivo final de governança mundial.

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Jota Alcides é jornalista e escritor