A tentativa do Real Madrid de tirar Robinho do Santos está proporcionando novas e históricas oportunidades de nos decepcionarmos com o amadorismo e o complexo de vira-lata da imprensa esportiva brasileira.
A maior parte dessa imprensa já decidiu que o Santos deve se desfazer de seu grande ídolo – hoje um dos mais carismáticos do futebol mundial – e, sem nenhum pudor, está de mãos dadas com os mercadores de atletas Juan Figger e Wagner Ribeiro, que vivem de ganhar porcentagens na venda de jogadores de futebol. Ambos têm representado os interesses do Real Madrid, que pretende pagar pelo jogador brasileiro um valor bem menor do que pagaria por qualquer craque europeu de prestígio equivalente.
Parceira dos europeus
Os números são constrangedores e demonstram que o afamado clube espanhol – que reúne um elenco de astros milionários, mas há dois anos não ganha títulos – usa dois pesos e duas medidas para suas transações internacionais. Pelo passe do meia inglês Frank Lampard o Real Madrid ofereceu 30 milhões de euros (aproximadamente R$ 93 milhões), mais os atacantes Michael Owen e Solari. Esse pacote soma, no mínimo, 50 milhões de euros. Por Robinho, a proposta entregue quinta-feira passada foi de 21 milhões de dólares.
Além da absurda diferença de valor, há um agravante: o próprio Lampard, que não foi indicado pelo técnico Wanderley Luxemburgo, não acredita que será titular do time espanhol, e por isso recusou a proposta. Enquanto Robinho, com o aval entusiasmado do técnico brasileiro, seria contratado para ser uma nova estrela do Real Madrid, com status similar aos de Zidane, Ronaldo e Beckham.
Por fim, é visível a diferença de tratamento que o Real Madrid dispensa ao Chelsea e ao Santos. Ainda esta semana um representante do clube espanhol apresentará nova proposta a Steve Cutner, empresário de Lampard. Com relação ao time brasileiro, uma nova proposta, dizem que de 25 milhões de euros, também foi apresentada ao presidente santista Marcelo Teixeira, mas ela é também um ultimato: se até o dia 8 de julho o Santos não aceitá-la, o Real promete não fazer mais nenhuma tentativa pelo jogador.
Enquanto a torcida do Santos, liderada pelo Movimento Resgate Santista e pela ONG Santos Vivo, faz a campanha ‘Fica Robinho!’ para o ídolo permanecer no time que o revelou e o amparou, jornalistas de veículos importantes da imprensa, como TV Globo, Rádio Jovem Pan, Folha de S.Paulo, Jornal da Tarde e revista Placar fazem campanha para ele ir embora. Placar chegou a elaborar matéria-editorial com o título ‘Vai Robinho!’.
Na era do extrativismo
Se a própria imprensa esportiva do país não tem interesse que os clubes mantenham seus ídolos e, conseqüentemente, que se melhore a qualidade de um futebol que já ganhou cinco Copas do Mundo, então não se justifica o espaço que os meios de comunicação dão aos clubes brasileiros. Que as equipes esportivas sejam cortadas pela metade, que Placar cerre suas portas, que a Jovem Pan volte a ser uma rádio apenas de prestação de serviços. Todos assistiremos, pelos canais por assinatura, aos craques brasileiros jogando na Europa; nossas crianças escolherão para torcer entre o Real Madrid, o Milan, o Barcelona… Os grandes times brasileiros de futebol serão extintos (aliás, o que já está acontecendo com muitos deles).
Com a atitude de pressionar o Santos a vender seu jogador a preço de banana, a imprensa esportiva nacional está claramente fazendo o jogo dos clubes europeus, que tratam o Brasil como fornecedor de mão-de-obra barata. Vários exemplos ilustram isso, e o caso mais conhecido é o de Kaká, do São Paulo, que foi negociado com o Milan por 8,5 milhões de dólares, e um mês depois já era avaliado no dobro do preço.
Outro caso curioso foi o de Wagner Love. Ídolo do Palmeiras, o rapaz foi vendido há um ano para o CSKA, da Rússia. Recentemente o Palmeiras pensou em contratá-lo de volta, mas não tinha dinheiro nem para um empréstimo de um ano. Foi o mesmo que vender grão de café in natura e com o dinheiro tentar comprar café solúvel. O futebol brasileiro vive a era do extrativismo.
Amadores e passionais
Muito inteligentemente, os europeus plantaram a idéia de que como os jogadores brasileiros podem não se adaptar à Europa, o preço de seus passes (direitos federativos) deve ser bem mais baixo. É uma falácia. Os jogadores brasileiros treinam mais puxado e sofrem marcação mais dura do que na maioria dos países europeus. Apenas uma pequena parcela dos verdadeiramente craques não se dá bem fora do país, mas, por outro lado, até jogadores medianos para os padrões brasileiros – como Deco, Marcelinho Paraíba e Émerson – viram ídolos por lá.
A idéia de que o Santos fatalmente venderia Robinho fez a imprensa nacional incorrer na maior barriga de sua história. Até o Jornal Nacional anunciou que no dia 24/6 o craque revelado por Pelé no infanto-juvenil do Santos se apresentaria ao Real Madrid. Os jornalistas acreditaram em quem quiseram, e preferiram ouvir o mercador Wagner Ribeiro. Durante todo o tempo o presidente do Santos disse que o jogador ficaria no Santos até a Copa da Alemanha (daqui a um ano) e que só seria negociado se fosse paga a multa de 50 milhões de dólares por quebra do contrato. Mas poucos lhe deram ouvidos.
O número da mentira
Ao recusar a proposta do Real Madrid e desmascarar todos aqueles que se diziam bem-informados, Marcelo Teixeira parece ter despertado a ira dos maus profissionais, que agora cismaram de vender Robinho de qualquer jeito. Em lugar desse comportamento amador e passional, por que não se aproveita o caso para ir mais fundo na questão, analisando outros aspectos bem mais relevantes? Alguns deles:
1.
Vale mesmo a pena vender um jogador como Robinho? A torcida do Santos se remoçou desde que o atacante ganhou notoriedade. Domingo, em São Caetano, podiam-se ver dezenas de crianças de 7, 8 anos com a camisa do Santos e constatar que o 10 de Pelé foi substituído pelo 7 de Robinho. O que este crescimento da torcida significará em um ano? E o espaço na mídia? Qual é a exposição do Santos, hoje, na imprensa mundial? A presença de Robinho aumenta a média de público nos estádios, atrai a preferência das transmissões de tevê e torna o Santos mais patrocinável. Quanto sua saída representará de perda para o Santos nesses quesitos?2.
Por que o futebol sul-americano, que tem mais conquistas internacionais do que o europeu, é tão desvalorizado? Por que Robinho ganha 10 mil dólares mensais da Nike e, segundo os marqueteiros, passará a receber 20 vezes mais se for para a Europa? Em vez de simplesmente aceitar esta realidade, não seria mais edificante elaborar matérias com propostas para revitalizar o futebol da América do Sul?3.
O presidente do Santos, Marcelo Teixeira, tem declarado que não venderá Robinho porque há um plano para o Santos e o jogador faz parte dele. Alguém já tentou saber que plano é esse? Por que não se dá importância ao plano de um time que nos últimos três anos foi duas vezes campeão e uma vez vice-campeão brasileiro? Que nas últimas três Copas Libertadores chegou a uma final e duas quartas-de-final e que está na frente do próprio Real Madrid no ranking mundial de clubes?4.
Se times de longa tradição, como Vasco, Flamengo, Fluminense, Grêmio e Palmeiras, vivem épocas de penúria e vergonha, por que incentivar a fuga dos poucos ídolos que restam ao futebol brasileiro? A idéia é acabar com o futebol nacional?5.
Caso o presidente do Santos seja feliz no seu intento de só negociar Robinho por um valor digno, estará aberto um animador precedente que vai beneficiar todo o futebol sul-americano. Será que está tão difícil enxergar isso?6.
Wagner Ribeiro, que detém 10% do passe de Robinho e por isso está ansioso para fechar o negócio, tem jogando pesado e sujo. Programas esportivos de rádio e tevê têm dado todo o espaço que ele precisa para tentar convencer a opinião pública de que Robinho precisa ir embora. Chegou a dizer que o jogador ficou mais traumatizado com a possibilidade de não jogar no Real Madrid do que com o seqüestro de sua mãe. Será que não valeria a pena um belo perfil com a folha corrida desse Ribeiro? Qual foi a última vez que o moço trabalhou? Como ele vive? Quais são seus métodos de persuasão?7.
Robinho é adulto e assinou um contrato com o Santos até 2008. Por esse contrato passou a ganhar bem mais. Hoje, é o maior salário do futebol brasileiro, com cerca de 250 mil reais mensais, mais benefícios. Algum repórter quis reproduzir esse contrato? Alguém analisou a questão legal do caso? Alguém se ateve em tudo que o clube investiu para manter o jogador desde a infância? Quantos meninos têm a sorte de serem treinados por Pelé em pessoa? Se não fosse apadrinhado por Pelé, e pelo Santos, Robinho teria tido tanto prestígio?Com um pouco de paciência, outros aspectos poderão ser encontrados. Parei no número 7 porque é o de Robinho, hoje um dos jogadores mais importantes do futebol mundial, que o Real Madrid quer desvalorizar para comprar por uma bagatela e depois vender a peso de ouro. Mas 7 também é o número da mentira, e ela, infelizmente, tem acompanhado o noticiário esportivo a respeito do craque santista.
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Publisher da revista Tênis