Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Rue89, a revolução francesa na internet

Os internautas de língua francesa dispõem de um novo jornal online combativo e independente, atualizado permanentemente como um diário. Criado há dois meses por jornalistas saídos do Libération, o Rue89 já é citado pela grande imprensa graças a seus furos, e pretende também dar voz a internautas – uma tendência do jornalismo na internet – cujos trabalhos são checados e avalizados pela credibilidade dos jornalistas.

A seguir, a entrevista ao Observatório da Imprensa do diretor de redação de Rue89, Pierre Haski, que explica os objetivos do jornal, a escolha do nome e comenta a ameaça que o presidente Nicolas Sarkozy representa à liberdade de imprensa na França.

***

A pergunta que tem que ser feita: por que o jornal se chama Rue 89?

Pierre Haski – O conceito da rua corresponde ao que queremos fazer do site: um lugar de passagem, de encontros, de trocas e de discussão. Gostamos da idéia de dar um número, como numa rua de verdade, e o 89 se impôs como o mais significante, remetendo ao mesmo tempo às revoluções libertárias (1789, a revolução francesa, e 1989, a queda do muro de Berlim) mas também tecnológicas (1989 é o ano do nascimento do world wide web) que levaram ao que nós chamamos hoje de ‘revolução informática’.

Vocês criaram um site jornalístico sem versão em papel com a ambição de inventar um veículo de jornalismo profissional e cultural na internet. Na França, esse jornal é pioneiro, não?

P.H. – Sim. Muitos veículos têm seu site na internet, há vários anos a mídia tradicional tem seus sites, outros são uma espécie de mídia-cidadã que põem online os conteúdos de internautas e de blogueiros independentes, ou então são sites experimentais de informação ou de televisão online. Mas nós somos os primeiros jornalistas profissionais, oriundos de um veículo tradicional, a criar um novo veículo de informação geral, somente online (sem versão papel), numa associação de nossa cultura profissional e a participação de não-jornalistas. A esta dimensão faltava uma posição entre a atitude da mídia tradicional que integrou a web muito modestamente, simplesmente abrindo seus textos aos comentários, e a posição, incorreta a nosso ver, dos que, no extremo oposto, pensam que na internet os cidadãos não têm mais necessidade de jornalistas para se expressarem. Pensamos que o jornalismo é um corpo de regras profissionais e éticas que continuam válidas, na internet como fora dela, mas que a tecnologia de fato permite a não-jornalistas que se expressem e é preciso associá-los à pesquisa e à realização da informação.

Quantas pessoas lêem Rue 89 por dia? Qual é o perfil de seu público leitor?

P.H. – Tivemos, nos dois primeiros meses, 450 mil visitantes únicos por mês, o que é excepcional para um lançamento realizado sem um centavo de publicidade. Isso se deve à natureza particular da internet, que funciona de maneira ‘viral’, e aos nossos ‘furos’ dos primeiros dias, como a notícia do não-voto de Cécilia Sarkozy censurada pelo Journal du Dimanche, nos permitiram uma notoriedade fantástica. Nossos leitores são principalmente homens ativos, entre 30 a 50 anos. Eles são principalmente interessados na informação política, o que é normal pois começamos num período eleitoral (eleição de Sarkozy seguida das eleições legislativas). Esperamos ampliar nosso leque de leitores com amantes de outras rubricas, como cultura e internacional, e principalmente com mulheres.

Como analisa as recentes formas de pressão dos patrões da imprensa francesa sobre a redação (o caso de Paris Match-Alain Genestar [diretor de Redação demitido depois de publicar fotos de Cécilia Sarkozy e seu novo namorado na época (2005)], a censura da matéria sobre a ausência de Cécilia Sarkozy do segundo turno da eleição presidencial, o fim do programa de Daniel Schneidermann, Arrêt sur l’image? O fato de Nicolas Sarkozy ser um amigo dos barões da imprensa pode representar uma ameaça para a liberdade e a independência da imprensa?

P.H. – Existe um problema francês: o fato de dois dos maiores grupos de imprensa francesa serem ao mesmo tempo fabricantes de armas não tem equivalente, nem na Europa nem em outros continentes. Acrescente-se a isso o fato de cinco dos maiores grupos privados de mídia (Lagardère, Dassault, Bouygues, Arnaud, Bolloré) sejam dirigidos por homens que são amigos pessoais do novo presidente. Isso representa, realmente, uma ameaça à qualidade da informação na França. As Sociedades de Jornalistas disseram isso claramente no mês de junho, depois de diversos acontecimentos (censura ao Journal du Dimanche e ao jornal MatinPlus, a venda do Les Echos, seguidas de supressão de programas do serviço público audiovisual). O principal risco é o da autocensura por parte de diretores de Redação aliados ao poder. Cabe aos jornalistas uma vigilância permanente. E cabe à internet exercer seu papel de contrapoder eventual, de proteção contra os desvios, com a condição de ter credibilidade. Nessa direção é que nós da Rue89 queremos caminhar.

Rue 89 foi criado por jornalistas vindos do jornal Libération. O site de vocês já é citado na grande imprensa. Por que vocês saíram de Libération e qual o objetivo que se fixaram?

P.H. – Saímos de Libération depois de muitos anos (25 anos no meu caso!) para tentar uma nova aventura. Os quatro fundadores que vêm de Libération (Pascal Riché, Laurent Mauriac, Arnaud Aubron e eu) éramos blogueiros. Pascal e Laurent eram correspondentes nos Estados Unidos, Arnaud escrevia sobre droga e eu era correspondente na China. Isso nos deu vontade de ir além na experimentação do jornalismo online. Pareceu-nos mais interessante criando uma mídia 100% internet que no contexto de uma mídia tradicional, na qual o site é apenas um elemento de uma estratégia mais vasta, submetida a compromissos permanentes com outros setores da empresa.

Quantos jornalistas trabalham no Rue 89?

P.H. – Somos atualmente uma dúzia na equipe permanente, inclusive os da informática e gestão. A equipe de Redação inclui os antigos e um grupo de jovens jornalistas, recém-diplomados das escolas de jornalismo, perfeitamente adaptados aos novos instrumentos da informática (vídeo, som, texto…). Para o tom que queremos imprimir ao site, é importante que ele seja adaptado à internet e que não se contente em reproduzir o estilo da imprensa escrita. Temos também dezenas de colaboradores externos, não-assalariados, jornalistas ou não.

Como o jornal é fechado a cada dia?

P.H. – Não temos ‘fechamento’. Claro que tentamos respeitar os ritmos de consultas ao site, mas o atualizamos permanentemente, assim que temos uma nova matéria. O conteúdo é fornecido pelo trabalho da Redação, por iniciativa dela própria, mas também por conteúdos originários das mensagens dos internautas que nos dão pistas ou fornecem o conteúdo. Tudo é avaliado e relido pelo webmaster e pela direção de Redação.

Vocês fazem um site que se baseia na competência dos jornalistas, dos experts e dos internautas. Esse é o modelo ideal, para vocês, do jornalismo online?

P.H. – Ainda é cedo para falar de ‘modelo’ com apenas um mês de existência. É uma pista que nos pareceu possível e necessária para explorar e abrir uma janela ao futuro desse métier em crise que é o jornalismo. Vê-se que a tecnologia abalou as certezas dos jornalistas. Hoje, quando um acontecimento se produz, as primeiras imagens disponíveis online vêm de internautas e não de profissionais – quando se trata do tsunami, do atentado de Londres ou mais modestamente dos confrontos na Gare du Nord, em Paris. Mas são os jornalistas que irão investigar, analisar o incidente ou o acontecimento, colocando-o em perspectiva, dando credibilidade e a hierarquização necessária. Há uma complementaridade mais que rivalidade nos dois. Precisamos organizar o jornalismo de tal forma que o cidadão esteja presente e, ao mesmo tempo, disponha de uma informação mais rica, mas que tenha um selo de qualidade e tenha credibilidade na selva da internet. Essa é nossa ambição: ser um site com essas qualidades.

Qual será o modelo do site literário que vocês farão com o Nouvel Observateur e quando ele estará online?

P.H. – Trata-se de uma prestação de serviço. O Nouvel Observateur estava interessado pelo modelo de nossa plataforma e pediu para fazermos um site comunitário, especializado em livros, com possibilidade de ter conteúdo gerado por internautas. Nós entregaremos a plataforma no início de setembro, a tempo para o início do ano letivo. Mas a responsabilidade editorial será deles.

A venda do jornal Les Echos a Bernard Arnault é uma ameaça à independência da imprensa na França? Por quê?

P.H. – Não é uma boa notícia, se isso acontecer, como os próprios jornalistas do jornal Les Echos pensam. A confusão de gêneros de patrões da imprensa e grupos industriais, a proximidade deles com o poder político, tudo isso representa uma ameaça sobre um jornal que era propriedade até aqui de um grupo de imprensa e de edição que não misturava gêneros. Existe, pois, um sério risco de regressão e os jornalistas do Les Echos têm razão de exigir garantias de independência efetiva da redação.

******

Jornalista