Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Saber não saber

A intrincadíssima situação da Síria motivou o site de geopolítica e estratégia Stratfor a fazer ponderações de alta relevância das quais jornalistas e comentaristas de política internacional podem tirar proveito.

Em tradução livre, uma mensagem eletrônica da empresa diz mais ou menos o seguinte: num momento em que países estão na iminência de entrar em guerra, não se deixar afetar pelo medo e pelas paixões é uma postura profissional decisiva. A Stratfor se orgulha do seguinte: sabe o que sabe. Sabe o que não sabe. E não preenche as lacunas com opiniões.

“O trabalho da Stratfor é analisar o mundo o mais objetivamente possível, e a situação na Síria está entre as mais difíceis que já vimos. O problema é que nós realmente não sabemos o que aconteceu (…). Não podemos nos esquivar das explicações alternativas simplesmente porque parecem bizarras e conspiratórias. Nem podemos adotá-las. A tarefa da Stratfor é saber o que sabe e o que não sabe e ser honesta a esse respeito”.

Dobras dos séculos

Um dos mais notáveis historiadores do século 20, Lucien Febvre, escreveu em Martinho Lutero, um destino (publicado no Brasil em 2012) um trecho que todo jornalista, todo comentador, para não dizer todo historiador, lucraria em ponderar:

“Saber não saber, grande virtude. Tentemos praticá-la aqui. E, deixando de lado tantas conjeturas, que não passam de conjeturas, tantas opções e escolhas que não passam de opções e escolhas por preferência, direcionemos nosso esforço para o essencial. Sem nos preocuparmos em reconstituir os círculos que Lutero talvez tenha frequentado, mas cuja influência sobre suas ideias e sentimentos nunca se poderá avaliar, perguntemo-nos simplesmente se é possível fornecer, da história moral e espiritual de Lutero no convento, uma versão plausível. Plausível: desnecessário dizer que seria desonesto empregar qualquer outro termo” (págs. 53-4).

Tanto faz que se trate de um acontecimento que, até este momento, nem sequer começou, como o iminente ataque à Síria, ou de algo que se perdeu nas dobras da passagem de vários séculos. Honestidade intelectual faz diferença. Mesmo que a maior parte dos leitores nunca vá se dar conta disso. Faz diferença para o autor da narrativa. Faz diferença, portanto, para toda a démarche narrativa.