Folclore vem do inglês folklore, que significa folk, “povo, nação”, e lore, “saber, educação, instrução”. Quer dizer ciência das tradições, dos usos e da arte popular de um país ou região; populário, conjunto de costumes, lendas, provérbios, manifestações artísticas em geral, preservado por um povo ou grupo populacional, por meio da tradição oral. No Brasil, o dia do folclore, é festejado em 22 de agosto.
Ele está entre nós – cinema, rádio e TV – e faz parte do nosso dia-a-dia. Enaltecer o folclore é valorizar a diversidade cultural de nosso país e seu belíssimo povo. Foi isso que fez o paulista Cornélio Pires (1884-1958), um dos maiores estudiosos da cultura brasileira e caipira. Na verdade, celebrar nossas manifestações artísticas e o trabalho desse importante folclorista é lembrar quem somos, bem como valorizar nossas raízes. Afinal, somos mestiços, sincréticos e caipiras.
A produção de Pires é diversificada e conta com mais de vinte obras. Por que seu trabalho é tão importante? Ele trouxe à tona uma cultura popular entalada e escondida nos grotões, nos quilombos e nas matas deste país. Sua obra possui valor imensurável em termos científico, histórico e antropológico. De outro lado, falta maior conhecimento dela. Não é exagero afirmar que nos trouxe um conhecimento ancestral e antigo que pertence ao nosso povo, embora tenhamos pouco mais de 500 anos de história. À época, todo esse conhecimento popular, tão nosso e interiorano, estava muito distante dos centros urbanos. Estava confinado dentro dos muros das universidades.
Um dicionário de cultura caipira
Dono de um olhar estético privilegiado, soube perceber e captar uma cultura cheia de simbolismo, tanto material e imaterial, que é de suma importância para a construção da identidade cultural. Com o objetivo de valorizar nossa riqueza folclórica, em São Luiz do Paraitinga (SP), em 2003, foi criada a Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci). Para os membros da entidade, o Saci Pererê existe. Então, está claro que o campo de estudos e pesquisas dos folcloristas é vasto e abrangente.
Pois bem, Pires não parou por aí. Foi pioneiro ao lançar a música caipira em discos, que hoje conhecemos como música de raiz ou música sertaneja. Por fim, nos legou, Conversas ao Pé-do-fogo, um dos mais importantes dicionários especializados em cultura caipira. Além disso, foi humanista, poeta, escritor, jornalista, trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo, espírita atuante e criador do Teatro Ambulante Cornélio Pires.
O regionalismo em Lobato e Pires
Tanto em Monteiro Lobato (1882-1948) como Cornélio, a temática é o meio rural e a cultura caipira. Para Lobato, o Jeca Tatu, da obra Urupês, é a representação simbólica do caboclo abandonado à indigência, à miséria e à negligência do poder público. Por isso, é retratado de pés rachados, cheio de helmintos e anti-higiênico. É o símbolo do atraso nacional.
Por sua vez, Pires vê um homem do campo caipira, mas dono de imensa riqueza cultural e jeito próprio de falar, assim como possuidor de um saber muito próprio. Ou melhor, é a alma do povo brasileiro. Na verdade, seu trabalho é autoral e etnográfico. É resultado de suas andanças e pesquisas sobre a ciência das tradições.
Em outras palavras: resgatou a cultura do meio rural e deu voz ao camponês brasileiro. Vale lembrar que na segunda metade do século 20 sofríamos a invasão cultural estadunidense, que se deu na mídia, no cinema, na música e na moda. A meu ver, seu trabalho recuperou o sentimento e a ideia de brasilidade, bem como toda sua carga de idiossincrasias muito próprias. É como diz Sebastião Salgado (revista Serafina, 2010, pág. 53): “Nós abandonamos nossa ligação com o campo, com a natureza (…).”
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[Ricardo Santos é jornalista e professor de História, São Paulo, SP]