A saúde masculina não ocupa as telas, as ondas e as páginas da imprensa com a frequência necessária para ajudar a criar uma cultura de cuidado para a saúde do homem. Isso também é responsabilidade do poder público, já que a Política Nacional de Saúde do Homem, de forma sistematizada, é recente. O Ministério da Saúde lançou a política em agosto de 2009, ou seja, há apenas um ano e cinco meses. Demorou muito, se comparado aos programas de saúde da mulher, que existem aos montes e há muito tempo.
Não que faltassem iniciativas federais, estaduais e municipais na área da saúde masculina. No entanto, definitivamente, não foram suficientes para criar a tal cultura de cuidado. É de conhecimento amplo que a maioria dos homens somente procura ajuda médica quando, muitas vezes, é tarde. E se essa procura fosse uma rotina, ou seja, integrasse uma cultura, muitas mortes poderiam ser evitadas.
O câncer de próstata está aí para provar essa situação. E o exame – o polêmico toque retal –, quando detecta a doença no início, aumenta as chances de cura. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de próstata é o segundo mais comum em homens. Perde apenas para o câncer de pele. A estimativa, conforme dados disponíveis no portal do Inca, é que o Brasil registre, em 2010, 52.350 novos casos. Em 2008, o câncer de próstata fez 11.955 vítimas fatais no país.
Reprodução e paternidade
Portanto, quando a imprensa aborda a saúde do homem é merecedora de elogios. E quando aborda a interface saúde e sexualidade, mais elogios merece. Um exemplo é a reportagem do jornal norte-paranaense Folha de Londrina ‘Investigar infertilidade pode salvar e gerar vidas’, do último dia 10 de janeiro (pág. 10). A reportagem, na seção ‘Folha Saúde’, tratou da infertilidade masculina. A Folha apresentou dados estatísticos e doenças comuns em homens que apresentam infertilidade e ilustrou o material com um casal que tentava engravidar. Ele descobriu ter varicocele e depois do tratamento, a mulher engravidou. Hoje o casal espera o segundo filho.
Apesar de a reportagem ser pontual – trata da infertilidade masculina – e não contextualizar a saúde do homem de modo geral, ela cumpre uma função importante: a necessidade de investigar a infertilidade. Historicamente, a mulher é ‘culpada’ por não gerar crianças e somente depois de comprovar que é fértil é que se pensa na possibilidade do homem ser infértil. A realidade dos personagens da Folha mostra que isso ainda impera. Ele procurou ajuda depois que foi descartada que ela não tinha problemas para engravidar. Ponto para a Folha.
Se a referida reportagem merece elogios por abordar um tema que não é recorrente na imprensa, infelizmente fica devendo quando cruzados dois temas: reprodução e paternidade/maternidade. Veja esses trechos do texto da reportagem: ‘(…) tratou de uma varicocele que lhe impedia de ser pai (…)’; ‘(…) a infertilidade pode ser tratada. Além de garantir ao homem a possibilidade de ser tornar pai, (…)’; ‘(…) 40% dos homens que não conseguem ter filhos apresentam doenças (…)’.
A cultura da adoção
O discurso, por trás do texto, associa ter filhos com reprodução. O casal que ilustra a reportagem não está impedido de ter filho por causa da varicocele. A doença impede o casal de reproduzir o que vai gerar filhos para que exerçam sua paternidade e maternidade. Muitos podem alegar que esse cruzamento de assuntos é desnecessário, mas é preciso discutir a relação.
Ninguém está impedido de ser pai ou mai por não poder reproduzir. Muitos pais e mães não reproduziram e têm filhos legítimos. A adoção e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) provam isso. Aliás, muitos homens e mulheres reproduzem e abrem mão de serem pais e mães, deixando as crianças sob a custódia de familiares, do Estado e até de desconhecidos. Portanto, a correlação ter filhos e reprodução não deve ser tão automática assim.
Enquanto o tema ter filhos for tratado como sinônimo de reprodução, a cultura da adoção nunca será fortalecida. A adoção não se configura como a primeira opção para quem quer exercer a maternidade/paternidade. Ela é a última opção para a maioria dos casais que não conseguem reproduzir, depois de tentar as tantas técnicas de fertilização artificial existentes.
Talvez por isso, as reportagens que abordam a adoção, fazem numa perspectiva de solidariedade ao próximo, de um ato de amor à humanidade, de uma atitude grandiosa dos adotantes. Nas reportagens, a adoção é glamourizada. Por que a adoção não pode ser algo natural e a primeira opção para quem quer ser pai ou mãe? E isso é assunto para outro artigo.
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Jornalista e professor do curso de Jornalismo da Universidade Norte do Paraná (Unopar), Londrina, PR