A imprensa dedicou bom espaço, esta semana, ao novo relatório da ONU sobre o Índice de Desenvolvimento Humano, com grande destaque para os itens saneamento, educação e distribuição de riqueza. Mas um item, que poderia ter rendido belas matérias, foi reduzido a uma mísera linha: a situação da mulher. Afirmou o Estado de S. Paulo, com base no relatório da ONU: ‘No quesito igualdade dos sexos, o desempenho também é pífio. O Brasil ocupa o 55º lugar’.
Leitoras que tenham visto essa mísera linha devem ter se perguntado do que o relatório está falando. Esse dado, jogado assim na matéria, sugere mil perguntas que ninguém se preocupou em responder.
** O que as mulheres que vivem nos 54 países melhor classificados têm que as brasileiras não têm?
** A mulher brasileira tem menos chance de trabalho que os homens?
** A mulher brasileira ganha menos que os homens que exercem o mesmo trabalho?
** A mulher brasileira, perante a lei, tem os mesmos direitos que os homens?
Afinal, por que a situação ainda é tão ruim? É a pergunta que fazem as leitoras de jornal, mulheres que tiveram chance de freqüentar escola, estão preocupadas com a carreira e procuram dar, aos seus filhos, as melhores condições de educação e qualidade de vida. Elas podem até achar que o relatório da ONU é mentiroso, já que para as mulheres de classe média a situação melhorou muito nos últimos anos.
O que os jornais deveriam ter esclarecido, pelo menos, é que, ao fazer seu relatório, a ONU usa como referência as mesmas mulheres que aparecem nas reportagens sobre saneamento básico, as mulheres pobres da periferia, das favelas ou das cidades esquecidas do sertão brasileiro. Mulheres que não têm acesso à educação, à saúde preventiva e ao trabalho, criando os filhos com o trabalho no campo ou, modernamente, com auxílio de programas como Bolsa-Família. Essas mulheres que, quando mudam para os grandes centros, conseguem no máximo um emprego em casa de família e aí sim passam a fazer parte – por via indireta – do universo de leitoras e leitores dos jornais.
Papel educativo
E essas pobres mulheres, discriminadas pela sociedade e esquecidas pelo governo e pela imprensa, parecem só existir em dois momentos: na época de campanha política ou quando se envolvem em crimes. Pode ser a mãe que mata os filhos com a serra elétrica, a mãe que abandona o bebê no lixo ou, o que é mais comum, a mulher ameaçada ou morta por um marido ou namorado ciumento.
Se a envolvida for de classe média, o noticiário ganha mais destaque. E, se ela mesma for a acusada, como no caso da advogada que matou o coronel da PM, aí a imprensa faz a festa. Não tanto como no caso da adolescente de classe média, bem criada e bonitinha, que matou os pais, foi condenada e, até hoje, cumprindo pena, ainda é notícia nos jornais por motivos banais como o fato de ter recebido apenas uma visita no aniversário.
Nesses tempos de culto às celebridades, notícias desse tipo ajudam a vender exemplares. Mas a imprensa não deveria esquecer que também tem um papel educativo – ou pelo menos informativo. Se o fato de o Brasil ocupar o 55º lugar na desigualdade entre sexos merece ser noticiado, a notícia deveria ter sido bem dada. Em vez de provocar perguntas – que ficam sem resposta –, seria interessante esclarecer os leitores.
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Jornalista