Notícias sobre os baixos índices de leitura do brasileiro são frequentes na televisão. Vez por outra, ao se assistir a algum noticiário, lá estão as estatísticas apontando, com seu dedo acusador, a falta de hábito de leitura, a pouca afinidade do brasileiro com o livro. Ao mesmo tempo, pelo valor-notícia que carregam, nossas emissoras de TV realizam copiosas coberturas de salões, feiras e bienais do livro. Principalmente feiras como a da charmosa Paraty, no Rio de Janeiro. Ou a maior de todas, a de São Paulo. Poucas vezes vejo matérias sobre feiras importantes, como as de alguns estados do nordeste – as de Pernambuco e o Salipi do Piauí. Quase sempre, porém, nas matérias que vão ao ar, o foco está apontado para os colunáveis, os superstars, os figurões, as figurinhas ou as atrações internacionais que aparecem por lá. Inclusive escritores…
Livros, mesmo, só aparecem pelo volume: ‘Tantos metros de prateleiras com livros de todos os gêneros…’ Ou, no máximo, a citação dos mais vendidos, os mais curiosos ou os mais excêntricos. Anos atrás, uma matéria concentrava toda a atenção para o best-seller Onde está Wally?, ‘livro’ mais vendido num desses salões… Um brinquedo em forma de livro, mas que de livro mesmo não tinha coisa alguma.
Vou achar ótimo ficar com remorsos
Mas, onde, na televisão de sinal aberto, estão o livro, o conteúdo do livro, o incentivo à leitura, pela indicação de obras importantes, pelo destaque aos lançamentos, sem apelo aos estrelismos ou às excentricidades? Lamento informar que, infelizmente, tal espaço não existe. Nivelada por baixo, a TV aberta equilibra perigosamente sua programação entre o mau gosto e a falta de gosto. Às vezes não cheira. Constantemente, fede. E o livro e o hábito da leitura, vêm sendo abordados onde? Resposta: o pouco que se faz é feito na TV segmentada. A Globo News, por exemplo, tem ótimos programas de entrevistas com grandes autores, nacionais e estrangeiros, competentemente conduzidos por Edney Silvestre. Conteúdo papa-fina, infelizmente restrito aos assinantes (os que têm dinheiro para pagar a assinatura) do canal fechado. A patuléia, majoritária, que depende da TV aberta, que não tem grana para um ‘supérfluo’, como o livro (com perdão pela ironia), fica de fora, chupando o dedo.
Por isso, toda vez que assisto a alguma matéria lamentando os baixos níveis de leitura do povo brasileiro fico me indagando: ‘Mas com que autoridade lamentam ou criticam se não fazem rigorosamente nada pra incentivar a leitura e o gosto pelo livro? Será que não faz parte da responsabilidade social da televisão destinar alguns minutos de sua programação ao incentivo à leitura? Livro não é notícia? Livro tira audiência da TV? Será que nas reuniões de pauta não aparece um repórter, um editor, capaz de sugerir que se crie um quadro fixo sobre novidades na área da literatura? Que se façam regularmente entrevistas com grandes autores, comentários, análises ou repercussões de grandes obras em datas cheias, como aniversários de lançamentos de livros importantes, ou de nascimento ou de morte de escritores?’
Não tenho a pretensão de que leiam meus sueltos semanais, mas se algum responsável pela programação das emissoras de TV de sinal aberto por um desses acasos da vida tiver lido este aqui ou tomado conhecimento de seu conteúdo, vou achar ótimo se ficar com remorsos. E se não ficar com pelo menos um pouquinho de dor na consciência, aí é porque a coisa é bem mais feia do que se imagina.
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Jornalista e professor