Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sempre na mídia, com ou sem Fidel

Talvez um bom jornal possa ser avaliado por iniciativas como a de O Estado de S.Paulo. Enquanto o noticiário esportivo dominava a mídia e apresentava Cuba rivalizando com os EUA em excelência nos Jogos Pan-Americanos, o jornal mandava José Maria Mayrink a Havana, de onde enviou um relato que ocupou quase uma página do primeiro caderno da edição dominical (29/7).

Não era sem tempo e foi mais do que oportuno, pertinente e necessário que – um ano depois de Fidel Castro ter passado o poder, ainda que provisoriamente, a seu irmão Raúl – um jornalista tarimbado fizesse uma avaliação de como andam as coisas na Ilha famosa, à luz do novo contexto.

Assim, enquanto EUA, Cuba e o Brasil apareciam nos três primeiros lugares e a mídia dava rápidos informes sobre as deserções cubanas, o jornalista destacava anunciadas mudanças, uma delas há muito esperada: uma trégua nas belicosas relações entre os dois governos.

O irmão de Fidel, na avaliação dos próprios cubanos, está sendo tímido nas reformas econômicas, como disse a Mayrink Dimas Castellanos, um dos editores da revista digital Consenso: ‘Eu esperava que Raúl fosse fazer algumas reformas econômicas, mas nada aconteceu.’

Déficit de casas

Castellanos, de 64 anos, integra um grupo de intelectuais que propõe a social-democracia como substituta da Revolução Cubana de 1959. Para se ter uma idéia de como a Revolução é intocável, o cientista político, mesmo depois de ter integrado as tropas cubanas que lutaram na Etiópia, foi demitido do cargo de professor numa escola de agronomia por ter levado a proposta a alguns colegas.

As críticas que o professor faz – com destaque para o surgimento de classes sociais em Cuba, nascidas da divisão entre os que recebem apenas dez dólares por mês e os que vivem de pesos conversíveis, espécie de dólar disfarçado – de algum modo foram endossadas por ninguém menos do que Fidel Castro num de seus artigos, ainda que com outras palavras: ‘Nem todos os cidadãos recebem do exterior divisas conversíveis, algo que não é ilegal, mas às vezes cria desigualdades e privilégios irritantes num país que se esmera pelos serviços vitais e gratuitos que oferece a toda a população.’

Informa Mayrink que os 4 milhões de cubanos espalhados pelos EUA, Canadá e Europa mandam US$ 1,2 bilhão a Cuba todos os anos, mas a maioria do povo não vê esse dinheiro. E o país continua com alguns problemas terríveis, entre os quais um déficit de 2 milhões de casas para uma população de pouco mais de 11 milhões de habitantes.

Mudanças anunciadas

Esses e outros problemas seriam ainda maiores se a Revolução não tivesse triunfado. Mas ocorre que, quase meio século depois, cerca de 70% dos cubanos nasceram depois de 1959.

Quem já visitou Cuba – caso deste escritor – pode avaliar nas ruas o quanto é vulnerável a juventude cubana. O fogo revolucionário arde com fulgor entre os mais velhos, mas os jovens, talvez em maioria, já não sabem avaliar a sofisticada rede de sedução que o império norte-americano, a apenas 140 km da costa cubana, lança, não ao mar, mas ao ar, todos os dias, vinte e quatro horas ininterruptas. Se o governo cubano anunciar em cartazes que todos podem ter o remédio X, todos podem ter mesmo, de fato. Boa parte da juventude acha que os cartazes publicitários dos EUA têm a mesma credibilidade…

O Brasil negocia com Cuba. Os ônibus Marcopolo, de conhecida empresa do Brasil meridional, já circulam pela Ilha, mas enfrentam a concorrência chinesa, que vende ônibus de qualidade inferior, mas mais baratos. A Venezuela negocia melhor: fornece petróleo subsidiado em troca de serviços médicos.

Assim, quem está num cartaz na avenida vizinha da Praça da Revolução, é Hugo Chávez, não o presidente Lula.

Um fato novo ocorreu semana passada. No dia 26 de julho, quinta-feira, data em que os cubanos celebram o fracassado assalto ao quartel Moncada, em 1953, seis anos antes de a Revolução triunfar, pela primeira vez Fidel Castro não compareceu. Discursando em seu lugar, seu irmão Raúl reconheceu erros, propôs abrir Cuba a investimentos externos e ofereceu diálogo aos EUA.

A mídia está com a palavra. O leitorado brasileiro precisa e quer saber mais sobre as anunciadas mudanças.