A crise financeira global atingiu em cheio os jornais americanos: os que ainda não suspenderam suas edições impressas – como, no mês passado, o Seattle Post-Intelligencer – recorrem à concordata para continuar nas bancas. Isso levou o senador Benjamin Cardin, do Partido Democrata, a apresentar projeto de lei propondo a transformação de jornais em organizações sem fins lucrativos, o que lhes daria isenção fiscal sobre a receita de circulação e publicidade.
Pelo texto, chamado de Projeto de Lei para Revitalização dos Jornais, as empresas jornalísticas poderiam solicitar seu enquadramento em um regime fiscal semelhante ao de uma entidade educacional. Nos Estados Unidos, isso ocorre com as emissoras de rádio e TV públicas. Além de a receita com publicidade e circulação ser isenta de impostos, qualquer entidade que fizesse uma doação a um jornal poderia abatê-la do Imposto de Renda.
Em contrapartida, os jornais não poderiam apoiar causas políticas: teriam de se ater a divulgar fatos, incluindo campanhas de candidatos. Nos EUA, é normal os jornais declararem seu apoio a um determinado candidato ou causa.
Cardin defendeu sua proposta em artigo publicado ontem no jornal The Washington Post, afirmando que os EUA ‘dependem de uma imprensa livre e aberta’. O projeto de lei, explicou, visa aos jornais locais, pequenos, não aos grandes conglomerados de mídia. E que foi motivado pelo fato de alguns jornais terem suspendido sua circulação impressa, fechando as portas de vez ou mantendo só o site, como Rocky Mountain News e San Francisco Chronicle.
Além disso, nos últimos meses dois grupos pediram falência pelo Capítulo 11 da legislação americana (semelhante à concordata no Brasil): o Tribune Co. e o Sun-Times Media.
A imprensa, disse o senador, é essencial para a democracia: ‘Como podemos esquecer o papel que os jornais tiveram na revelação dos escândalos Watergate e Enron, ou nos bônus da AIG?’. Cardin lembrou ainda que outras fontes de notícias, como o site Google News, TVs e blogs de comentaristas, usam material obtido ‘com o trabalho custoso de repórteres experientes de jornais’.
Ele ressaltou que a transformação em entidade sem fins lucrativos não interessaria a grandes conglomerados. E deixou claro que a proposta não envolve dinheiro do contribuinte, diferentemente dos socorros a bancos e montadoras.
A proposta do senador Cardin, no entanto, não foi recebida com unanimidade. O editor da revista Fortune, Richard Siklos, afirmou que até o nome do projeto de lei parece orwelliano.
Ele lembra que já existem modelos híbridos, como a National Geographic Society – que tem uma revista e um canal de TV a cabo – e o Instituto Smithsoniano.
Silkins cita também projetos sem fins lucrativos de apoio ao jornalismo investigativo, como o ProPublica e o criado mês passado pelo jornal online The Huffington Post.
Já Rick Edmonds, analista de mídia da escola de jornalismo Poynter Institute, na Flórida, afirmou não estar certo da necessidade de apelar a medidas desesperadas como pedir ajuda ao governo. ‘O que o governo dá, o governo pode e vai ameaçar retirar’. Mas, mesmo não sendo a favor do projeto de lei de Cardin, disse acreditar que este é o momento para discutir propostas em benefício dos jornais. Uma delas, explicou, seria o relaxamento da regulação antitruste.