Jornais de quarta-feira (20/5):
‘A China concordou em suspender as restrições às importações de frango brasileiro e permitir mais carne bovina, ampliando ainda mais a crescente parceria comercial entre os dois países’ (Financial Times).
‘O sucesso da visita do presidente Lula à China na área de investimentos não se repetiu na esfera comercial, revela reportagem da enviada especial, Elaine Oliveira. Apesar dos apelos feitos diretamente ao seu colega chinês, Hu Jintao, não foram resolvidas pendências envolvendo carnes bovina e suína e os aviões da Embraer. Segundo representantes do governo brasileiro e empresários do setor, há má vontade na liberação de licenças de importação para aeronaves e as autoridades chinesas se negam a dar uma resposta a curto prazo para a abertura do mercado para carnes do Brasil’ (O Globo).
Observando mais um pouco:
‘A estatal Petróleo Brasileiro S/A disse que concluiu um acordo para garantir um empréstimo de US$ 10 bilhões da China em troca de um fornecimento a longo prazo de petróleo, outra vitória para a nova estratégia chinesa de usar seus bancos recheados de dinheiro para ajudar a assegurar recursos naturais. O acordo, porém, não deu a empresas chinesas participação em campos petrolíferos brasileiros ou contratos lucrativos de serviços na área, como se esperava’ (The Wall Street Journal).
Financiamento de US$ 10 bilhões
Ou seja, para o jornal americano (conforme a minha tradução), o acordo foi melhor para o Brasil do que se previa. Mas, para a Folha de S.Paulo, que não viu a menor necessidade de destacar o fechamento do acordo, o que interessava, para a abertura da reportagem de Raul Juste Lores, de Pequim, era este:
‘Com exceção de um acordo entre Petrobras e China, já anunciado em fevereiro, e a possível liberação da entrada de carne de frango brasileira no país, aprovada no ano passado, a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não conseguiu avançar várias pendências da agenda. O cancelamento da compra de 45 aviões modelo 190 da Embraer, anunciada em 2006 pelos chineses mas cancelada em novembro passado, não foi revertido, apesar de Lula ter falado do assunto ao menos três vezes com os anfitriões. As barreiras chinesas contra as carnes suína e bovina do Brasil não foram removidas – as negociações se arrastam desde 2005. O governo brasileiro queria fazer o lado chinês aprovar a liberação para tentar diversificar a pauta brasileira, hoje concentrada em soja e ferro.’
Compare com a abertura do texto de Rogerio Wasserman, enviado especial da BBC Brasil a Pequim:
‘A Petrobras assinou nesta terça-feira um acordo para um financiamento chinês de US$ 10 bilhões e para a venda de até 200 mil barris de petróleo por dia à estatal chinesa Sinopec. O acordo foi um dos 13 assinados em Pequim pelas autoridades brasileiras e chinesas durante a visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país. O financiamento à Petrobras será concedido pelo CDB (China Development Bank), versão chinesa do BNDES brasileiro. O prazo de pagamento será de dez anos.’
Porto, biodiesel e dois satélites
Voltemos ao Financial Times:
‘A China superou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil durante os quatro primeiros meses deste ano, acentuando relações crescentemente mais próximas entre dois dos maiores mercados mundiais emergentes.’
Só no segundo parágrafo, O Globo pareceu dar importância a uma notícia que não passara despercebida aos jornais americanos:
‘O principal resultado da viagem de Lula foram investimentos novos no Brasil que podem chegar a US$ 12 bilhões. O grande provedor desses recursos é o Banco de Desenvolvimento da China (CDC). A instituição fechou contrato de US$ 10 bilhões com a Petrobras.’
Vamos precisar recorrer novamente ao Financial Times para obtermos outras informações. O jornal diz que a Petrobras e a estatal petrolífera chinesa Sinopec também assinaram um memorando de entendimentos sobre exploração e fornecimento de equipamentos e serviços, mas o presidente da estatal brasileira, José Sérgio Gabrielli, informou que o documento não inclui o compromisso de comprar da China. Ele acrescentou que as empresas estão discutindo a possibilidade de a Sinopec investir na Petrobras em determinadas áreas. E acrescenta o jornal:
‘Além dos acordos petrolíferos, os dois lados assinaram acordos cobrindo construção de porto no Brasil, exportações de biodiesel para a China e o lançamento de dois satélites.’
Espaço que darão a Obama
Muito pouco para motivar os editores dos principais jornais brasileiros a dar uma chamada de primeira página para a visita de Lula à China. Repórteres e editores não prestaram muita atenção. Essa notícia do repórter da BBC Brasil, por exemplo, praticamente passou ao largo do noticiário dos jornais brasileiros:
‘A maior montadora chinesa, Chery, confirmou nesta terça-feira que instalará uma fábrica no Brasil para a produção de até 150 mil veículos por ano. A informação foi confirmada pelo secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Ivan Ramalho, durante um seminário empresarial em Pequim que faz parte da agenda da visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país. A produção da Chery no país deverá ser limitada inicialmente ao modelo A3. A montadora estaria estudando possíveis locais para a instalação da fábrica nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais ou Ceará. A decisão deverá ser tomada nos próximos dois meses, quando seria iniciada a construção da fábrica. A produção de veículos começaria até 2012.’
Alguém com tempo e disposição para observar a imprensa deveria recortar o noticiário dessa viagem de Lula à China para comparar com o espaço que os jornais brasileiros darão à do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prevista para o segundo semestre deste ano.
Fábrica em Manaus, siderúrgica no Rio
Alguém já se deu ao trabalho de comparar as duas viagens de Lula à China. Escreveu a repórter Cláudia Trevisan, de Pequim, para O Estado de S.Paulo:
‘O número de empresários que acompanharam a visita de Lula superou as estimativas de representantes do setor privado e 220 executivos de pouco mais de 100 empresas compareceram ontem ao seminário promovido pelo Banco de Desenvolvimento da China (BDC). Ainda assim, a comitiva não chegava à metade da que acompanhou Lula em sua primeira viagem ao país asiático, em 2004.’
A imprensa é mais ligada a fatos inéditos. Como Lula já foi à China há cinco anos…
Outra coisa não passou despercebida a Cláudia Trevisan:
‘A fabricante de motocicletas Zongshen assinou contrato com a brasileira CR Motos para investir US$ 80 milhões em uma fábrica na Zona Franca de Manaus, que deverá estar pronta em agosto. Também foi anunciado um memorando de entendimentos entre a LLX e a MMX e a chinesa Wuhan Iron and Steel, que vai analisar a viabilidade de construção de uma siderúrgica no Rio de Janeiro com capacidade para 5 milhões de toneladas de aço/ano.’
CPI como destaque
Ah, então a China não quer apenas levar nosso minério, nossas carnes, nossa soja e nossas madeiras, quer também montar indústrias no Brasil?
Uma pergunta que leva a outra: será que para ficarmos bem informados sobre o Brasil vamos ter que ler a imprensa estrangeira? Certamente, não estaremos bem informados aqui, se formos atraídos para a notícia pelos leads das reportagens desta quarta-feira, como visto acima.
Para encerrar essas observações, alguns títulos das principais reportagens publicadas ontem sobre a viagem de Lula: ‘Na área comercial, visita de Lula não teve avanços’ (O Globo); ‘China bolsters Brazil trade ties’ (Financial Times); ‘Visita de Lula à China traz poucos avanços ao Brasil’ (Folha de S.Paulo); ‘China Wields Credit Clout Again to Lock in Brazilian Oil’ (The Wall Street Journal); ‘Lula quer parceria com a China para produzir biocombustíveis na África’ (Estado de S. Paulo); ‘Banco chinês financiará US$ 10 bi para Petrobrás’ (BBC Brasil); ‘Sinopec Group, Brazil to Sign Exploration Accord, Zhang Says’ (Bloomberg.com).
Ops! A Petrobras foi destaque dos jornais brasileiros no dia em que Lula terminava sua visita à China. Todos eles deram na primeira página a CPI do Senado para investigar a maior estatal brasileira.
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Jornalista, Belo Horizonte, MG