Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Slogan made in Brazil

Em entrevista à revista CartaCapital desta semana (16/11/2011), o senador do PSDB Aloysio Nunes admite que o povo não entenderá o slogan que Fernando Henrique Cardoso teria proposto para essa nova fase do partido – “Yes, we care” – e que tal proposta, aliás, não passaria de “uma boutade do Fernando Henrique”.

O conhecimento de línguas estrangeiras é sinal de boa formação acadêmica. O problema está na comunicação com o eleitorado brasileiro que, na visão de certos políticos, não é o leitorado que gostariam de ter. A própria palavra boutade não frequenta a maioria das nossas escolas e universidades. Quem poderia, então, entender a sutileza do pensamento de FHC?

Também se atribui a Lula uma boutade que pode nos ajudar a entender questões de comunicação na política brasileira. Teria ele dito, faz alguns anos: “Vocês se lembram quando eu falava ‘menas coisas’? Agora eu falo en passant”. Num ato de desespero, o partido de FHC talvez tente percorrer o caminho contrário: “Vocês se lembram quando nós falávamos ‘we care’? Agora vamos falar ‘Sim, nóis quer.’”

Cuidado, preocupação ou algo mais?

Sírio Possenti, em seu artigo “It’s a joke!” (Estado de S.Paulo, 13/11/2011), analisa a expressão “Yes, we care” como produto do tucanês e ao mesmo tempo como uma intervenção irônica do ex-presidente. Em outras palavras, esse slogan não vai dar certo. Possenti levanta algumas hipóteses interessantes sobre o que aquela frase quereria indicar. Proponho mais uma: não haveria, embutida, uma sutilíssima indireta ao ex-governador José Serra que acabara de chegar da Inglaterra para participar daquele encontro de notáveis? Em tom de brincadeira, FHC chegou a dizer que “o Serra fez meu discurso, eu é que deveria ter ido para Londres”.

O verbo care, enfatiza o professor Possenti, não é palavra das mais conhecidas entre outros estrangeirismos como business ou know-how. E este fato acabou se refletindo na mídia, quando quis fornecer a tradução. Deu-se uma inesperada divergência, suficiente para demonstrar a inviabilidade de um slogan sem apreensão imediata.

A Agência Estado traduziu por “Sim, nós nos preocupamos”, e essa versão foi comprada pela IstoÉ Dinheiro, pela Gazeta Online e pelos colunistas Jorge Félix e Tales Faria, do iG. A versão “Sim, nós cuidamos” foi adotada pelo jornal Valor Econômico, pelo Correio Braziliense e pela IstoÉ. Os dois verbos, em português, não são sinônimos. Têm pontos em comum, mas não se equivalem semanticamente.

Contudo, há ainda uma terceira possibilidade de tradução: “Sim, nós nos importamos”. Essa versão admite um trocadilho incômodo. FHC e seus companheiros “se importam” também porque vêm de fora, seu marketing e suas ideias políticas são produto importado de outro país.

Sim, os membros e eleitores do PSDB têm algo com que se preocupar…

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[Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br]