A vida humana é guiada por sugestões, persuasões, slogans ou palavras que nos ordenam o que devemos fazer. Nossa autonomia é relativa. Repetir uma palavra ou frase, automaticamente, constitui ao mesmo tempo uma catarse subjetiva e uma sintonia do grupo ou da nação, como aconteceu durante o discurso de vitorioso de Barack Obama: ‘Yes, we can’ (Sim, nós podemos).
Os slogans são informações condensadas, sintéticas, que fisgam as pessoas para consumirem um produto material ou seguir uma idéia-fé; eles apelam diretamente às paixões políticas, religiosas, estéticas; promovem o entusiasmo e o ódio individual ou coletivo. A publicidade abusa deles: ‘compre Baton’; ‘o primeiro sutiã a gente nunca esquece’. Há milênios, as religiões usam slogans (ou mantras) para ligar os fiéis à transcendência: ‘Pai nosso…’, ‘Deus é amor’, ‘Só Cristo Salva’, ‘Deus é fiel’, ‘Alá é grande’, ‘Guerra santa aos infiéis’ etc.
No campo político, os slogans são usados para fazer revoluções, vencer eleições, protestar etc.’Abaixo a ditadura’, pichado nos muros, conduziu um movimento popular que anos depois abriria caminho para as ‘Diretas já’. ‘Terra e Paz’ reforçou o argumento para a Rússia sair da guerra e fazer a revolução soviética. ‘Pátria amada, venceremos’ marcou a revolução cubana. ‘Lutar, mas não perder a ternura’, atribuído ao Che, virou hoje apenas uma frase de camiseta.
Os slogans devem ser contextualizados: ‘Independência ou morte’ nada tem a ver com o ‘Brasil: ame-o ou deixe-o’. Nos EUA, a luta pelos direitos civis dos negros foi sintetizada por ‘Eu tenho um sonho’, extraído do famoso discurso de Martin Luther King, em 1963. O capital simbólico de Obama, em 2008, transforma o sonho de King em projeto de governo multi-étnico-cultural: ‘Yes, we can‘.
‘Queremos mentiras novas’
Quanto mais são repetidos os slogans, maior será a probabilidade de se tornarem autônomos em relação às pessoas e suas idéias fonte. Parecendo revelações divinas, eles podem excluir o pensamento complexo e crítico. Fanáticos e terroristas também são guiados por slogans. Um psicanalista diria que a reprodução de slogans se dá pelo gozo da sonoridade-ato, da compulsão de falar-ouvir e causar ‘ex-tase’ (fora-de-si). Os fora-de-si, foracluídos, vale tudo, vale para o bem ou para o mal; até a repetição automática das palavras virarem desgaste ou desuso. Logo, porém, surgirá outro slogan condensando um novo sentido, e repetido até a exaustão.
Olivier Reboul observa que um slogan só pode ser destruído por outro slogan mais poderoso, melhorado. Assim, uma campanha publicitária que dizia ‘De olhos fechados compro tudo na primavera’, foi superada pela do concorrente: ‘De olhos bem abertos compro qualidade’.
A frase de Marx ‘A religião é o ópio do povo’ foi uma metáfora retórica funcional para fabricar ateus. Não estou convicto se este slogan aumentou o número de ateus no mundo, mas causou empobrecimento nas pesquisas sobre religião e religiosidade. Reconhecendo o dogmatismo desse slogan, o pensador francês Raymond Aron reagiu dizendo: ‘O marxismo é o ópio dos intelectuais.’ Nelson Rodrigues repetia essa frase provocando a ira dos marxistas burgueses da Zona Sul, do Rio de Janeiro.
Recentemente, na Espanha, alguém descrente na democracia representativa pichou o muro com: ‘Basta de mentiras’. Meses depois era rebatida por outra: ‘Queremos mentiras novas’. Dá pra pensar?
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Psicanalista, doutor em educação pela Universidade de São Paulo, professor de Metodologia de Pesquisa na Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná