Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobram abobrinhas na mesa dos brasileiros

Em tempo de Fome Zero, as abobrinhas estão entulhando a mesa dos brasileiros. A diferença é que estas às quais me refiro não têm vitamina. Pior, são contra-indicadas para a saúde do corpo e do espírito. Nada têm a ver, por exemplo, com as delícias de uma abobrinha batida com pimenta de bode e farofa de ovo, prato típico do interior de Minas.

As ‘abobrinhas’ em pauta foram tema de interessante debate no Observatório da Imprensa na TV da terça-feira 5 de abril, do qual participaram renomados profissionais de comunicação. De todos, o professor Muniz Sodré me pareceu o mais sensato em suas análises, demonstrando o que já devíamos saber: o processo de comunicação está se tornando cada vez mais complexo e não pode ser entendido sem a apropriação das teorias contemporâneas. Só o bom senso, o moralismo ou o pragmatismo neoliberal não bastam. Também não bastam as observações empíricas.

Claro está que se tais ‘abobrinhas’ fazem parte do cardápio da mídia brasileira há tanto tempo e com tanta ênfase é porque há ‘razões’ para continuarem ocupando tempo e espaço na TV, nos jornais e na internet e chamando a atenção de tantos.

Sem acesso a nada

Fala-se muito no desejo da ‘fama’ por um dia, na vaidade humana e em outros ingredientes que estruturam a mídia. Mas, de acordo com as teorias contemporâneas, e os teóricos sabem disto muito bem, a mídia é que modela e estrutura os desejos e as necessidades, não só de consumo, dominantes na sociedade. Como empresas e obedecendo à lógica do lucro, a indústria midiática faz ouvido de mercador aos clamores dos mais exigentes e investem fundo na mesmice, na burrice, no mau gosto, na mediocridade.

Daí o sensacionalismo, o elogio do grotesco e as abobrinhas nessa indústria esclerosada pela pressa e pelo desejo alucinante de lucro. Os (ir)responsáveis pela mídia atual esquecem dos princípios éticos que norteiam a profissão e agem de acordo com a máxima maquiavélica de que ‘os fins justificam os meios’.

Assim, para salvar a indústria da mídia brasileira – como foi sugerido no debate, e já não é segredo nacional, essa indústria está passando por uma de suas maiores crises –, lança-se mão de expedientes que tais, apoiados na lógica do mercado, com seus índices de audiência e taxas de lucro. Mesmo que para isso seja preciso explorar a boa fé do público e a mão-de-obra especializada dos profissionais da imprensa.

Afora o fato de revelarem a pobreza de espírito, a arrogância e a petulância da elite – pelo menos de parte dela – empresarial, cultural, política, esportiva e artística, essas abobrinhas servem também para mostrar o quanto a sociedade brasileira é injusta e desigual. No mais, são como tapumes para os olhos, encobrimento e fator de esquecimento da memória e dos verdadeiros valores políticos e culturais dos pais.

Em época de Fome Zero, melhor seria se não fossem necessárias campanhas desta natureza. Milhares de brasileiros continuam sem acesso a nada. Filé e jornalismo sério – só na ficção.

******

Formado em Filosofia e Jornalismo, coordena o Curso de Jornalismo da PUC Minas-Arcos