Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre jornalismo e seus ideais

Concurso para banco, Tribunal de Justiça, polícia, vestibular para Direito. Cada vez mais nossos estudantes de jornalismo – percepção minha – voltam suas atenções a esses promissores futuros. E enquanto as editoras contam os lucros proporcionados pelo filão das apostilas de concursos, nossos colegas de sala e profissão cruzam os dedos à espera do dia da prova do concurso X, a almejada porta da esperança para a independência financeira e profissional.

Nada contra quem quer garantir o futuro, ter ao menos como pagar ‘todas as contas e despesas do lar’, enfim, ‘garantir o pão’, como se dizia antigamente. Não sou um Torquemada ou outro inquisidor qualquer para desejar a alguém noites insones por causa de dívidas pendentes, ou obrigar quem quer que seja a esquecer o desejo de possuir um dos inúmeros mimos que essa coisa fantástica e perversamente sedutora chamada capitalismo nos acena como necessidades vitais, na rapidez com que os atendentes do McDonalds preparam seus Big Macs. Mas essa situação dá uma ponta de decepção, misturada com umas duas doses de desânimo – e gelo para completar.

A bem da verdade, pode ser o velho sentimento idealista. Afinal, talvez eu devesse considerar melhor assim: a concorrência passaria a ser menor, nos livraríamos dos irremediavelmente indecisos, daqueles que não amadureceram o bastante para decidir qual caminho profissional trilhar, um pecado mortal em se tratando do exercício do jornalismo. Ele, o jornalismo, não deve abrigar as hesitações de quem o escolhe por displicência ou por ‘falta de opção’, porque a responsabilidade de selecionar e informar os recortes da realidade é enorme. Porém, essa debandada, e a intenção manifestada por tantos em deixar para trás o jornalismo antes mesmo de se ver frente a frente a seus prós e contras, reforça aquela sensação de que a profissão perde conceito a cada dia. E para agravar, em um momento no qual chovem críticas a conduta de jornalistas e veículos de comunicação, todos reunidos sobre o genérico conceito de ‘mídia’.

Desperdício de talentos

Ao invés de enxergar o jornalismo como uma corrida de cavalos, o vejo como uma condição de irmãos. É um sentimento que você observa quando o colega se lamenta do furo que tomou, do elogio recebido por uma matéria bem feita, dos papos sobre as dificuldades para produzir uma reportagem, da bela capacidade que alguns têm em ser humildes o bastante para pedir opinião sobre um determinado assunto ou pauta. O mais estimulante, o que enche o coração de alegria, é perceber esses ‘sintomas’ entre aqueles que iniciam seus passos práticos na atividade. Claro que entre ‘irmãos’ haverá os invejosos, os incapazes, os embriagados por ambições desmedidas e suas éticas particulares. Mas desses, a história e os observadores da imprensa se encarregam mais tarde.

Hoje as agruras e angústias que cercam a atividade jornalística chegam ao conhecimento dos estudantes de forma imediata, por meio de críticas ferrenhas e não raro também generalizantes à ‘mídia’ e à conduta de jornalistas e pseudo-jornalistas, pondo instantaneamente por terra o dilema ‘idealismo versus êxito profi$$ional’ com vitória por pontos do último, e como se ambos fossem eternamente inconciliáveis. Antes de sequer pensar nos caminhos da conciliação, o pessoal deixa o barco. E a formação em jornalismo, isto é, ‘comunicação’, vira item a mais no currículo, não a profissão de fé, pecado e redenção (não necessariamente nesta ordem) na qual nós, os tolos, ainda acreditamos. Então, de forma súbita, aquela família se divide, aquele laço trançado de idealismos, mesmo que ainda marcados de ilusões, se desfaz. Cada filho, cada irmão, sai de casa em busca do melhor – o qual não vê mais como algo a ser alcançado por meio do jornalismo – ficando aos que restam apenas o lamento de ver desfeitas tantas futuras possibilidades, demonstradas em sala de aula ou fora dela, e o desperdício de talentos que poderiam contribuir para um jornalismo melhor e mais correto.

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Jornalista provisionado, repórter do jornal Gazeta do São Francisco e estudante de Comunicação Social da Universidade do Estado da Bahia (Uneb)