Afinal de contas, quem é Boris Casoy? Não costumo ver a Band, praticamente não consigo mais ver televisão, mas é espantoso ver como um pequeno erro de áudio desmascara um jornalista. A ética não está em agirmos como pensamos somente quando estamos diante de um grande público. Ao contrário, ela está principalmente em agirmos como pensamos quando estamos sozinhos.
Diante das câmeras, a maioria dos apresentadores de telejornal vira um produto que precisa vender uma imagem de paladino da moral e dos bons costumes. Muitos confundem estúdio com delegacia e fazem uma cara de ‘xerifes da nação’. Tudo é uma vergonha, menos eles. Resta saber o que é uma vergonha num mundo de tantas.
Nada justifica a falta de vergonha na cara. Mas que cara? Se é verdade que, em nome de linhas editoriais, e até mesmo de padrões estéticos e comportamentais (de parcela da sociedade que dá Ibope aos ‘xerifes’, pois sente-se amparada por eles), diante das câmeras, nenhum jornalista pode agir como pensa, parece-me translúcido o fato de que a declaração de Casoy sobre os garis demonstra o que ele verdadeiramente é. Dito isso, parece-me que ela é totalmente passível de processo por crime de intolerância de classes.
Boris Casoy falou quando pensava estar ‘às escondidas’, mas, em nome do pior dos tipos de corporativismo, há quem o defenda publicamente. Com os argumentos que eles têm apresentado, se fizesse parte da direção da Band eu começaria a ficar verdadeiramente preocupada com a dimensão do caso. Demitiria todos. A Band, porém, provavelmente os manterá lá, pois pensa igual a eles. E nós, brasileiros, que pensamos diferente, temos nas mãos o controle remoto e uma chance única de repararmos, ao menos um pouco, o erro que é colocar uma classe fundamental como a dos garis à margem da sociedade.
‘Escala de trabalho’
Um dos artigos do abandonado Código de ética dos Jornalistas diz que ‘o jornalista não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime.’ Não é o que pensa Barbara Gancia, que assinou no dia 8/01 artigo na Folha de S.Paulo (local ideal para tal espetáculo) tentando defender o colega de emissora. No entanto, enganou-se absurdamente ao tentar confirmar as palavras de Casoy, de que os lixeiros são ‘o mais baixo na escala de trabalho’. Quem lê o artigo conclui que, para ela, isso se confirma porque, por exemplo, não há médicos entre eles.
Eu gostaria muito de entender o que é uma ‘escala do trabalho’ para a tão afinada dupla de jornalistas. Partindo do artigo dela, em que, sem conseguir explicar onde está a piada, ela garante que ‘dois lixeiros desejando dinheiro para o novo ano é mesmo motivo de riso’ (coisa que ela certamente não ousaria falar se eles ganhassem o que de fato o suor deles vale), então conclui-se que estão no topo os que ganham mais. Ora, vejamos… Ronaldo ‘Fenômeno’ está então no topo da escala do trabalho? Pensemos com cuidado de quem o mundo depende mais: dos jogadores de futebol ou dos lixeiros?
Ah, mas esperem, talvez ‘estar no topo da escala do trabalho’ seja ter um diploma de médico. Ainda que fosse, como jornalista bem-informada, ela deveria estar ciente da quantidade de lixeiros com curso superior. Não possuo números, mas dou minha cara a tapa como existem médicos. Seria bonito, inclusive, se ao ‘lembrar’ que ‘não há médicos entre os garis’, Barbara lembrasse também que o próprio Casoy não tem diploma de curso superior algum. Com a experiência adquirida que ele tem, isso não desqualifica nem a ele nem aos garis. O que desqualifica é o preconceito e nisso Barbara se superou, posto que tentou dar à declaração dele uma inacreditável sustentação.
Fico imaginando a felicidade, a sinceridade – e, mais do que isso, a provável ingenuidade – com que aqueles dois lixeiros fizeram aqueles votos de boas festas e não tenho como deixar de imaginar a decepção deles. Fico imaginando o que muitos âncoras televisivos devem ter comentado por detrás das câmeras sobre os recentes encontros de Lula com catadores de lixo e não tenho como deixar de imaginar que, perto do que ocorre diariamente nos bastidores da grande imprensa, o que Boris disse foi apenas uma gota num mar de lama.
Mas é melhor que eu fique só imaginando… Há coisas que não se publica onde crianças possam ler.
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Jornalista, colunista da revista Médio Paraíba