Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobrou apenas o nome

Um dia me convidaram para trabalhar no Jornal do Brasil. Na época eu era repórter do Correio Braziliense, mas estava louca para sair de lá, então topei na hora. Meus amigos mais velhos festejaram, com frases de motivação bem parecidas com as citadas pelo Nelson Hoineff: ‘É o melhor jornal do Brasil, o mais independente!’ Acho que fazia muito tempo que eles não liam o JB. E tomara Deus não tenham voltado a ler por minha causa.

Embarquei num projeto meio louco, chamado Caderno Brasília, que circularia apenas capital federal, com notícias locais. Só bem mais tarde eu perceberia que o tal espaço tinha sido criado com o único intuito de abocanhar uma verbinha publicitária do governo distrital.

Nos primeiros meses, a coisa toda parecia mesmo empolgante. O lançamento do caderno coincidiu com uma mudança brusca na linha editorial do Correio – Brasília, então, estava carente de um jornal mais independente na cobertura local. Nós, um verdadeiro exército Brancaleone de cinco jovens repórteres, abríamos o jornal, pautávamos, apurávamos, escrevíamos, editávamos e, pasmem, baixávamos as páginas. Não dava para ter muita qualidade num produto feito assim, mas vez por outra conseguíamos parir algumas boas matérias.

Não cabe mais

Com o passar do tempo, fomos percebendo que essa aparente ‘independência’ fazia parte de uma estratégia do jornal para se cacifar. Inaugurado em plena campanha eleitoral (em 2002), o jornal teria uma linha independente, ganharia credibilidade com ambos os lados da disputa pelo governo do Distrito Federal, e depois poderia vender caro, a quem quer se elegesse, sua suposta independência.

Como estava nos planos, logo depois das eleições começaram os rumores de que nosso jornalzinho estava incomodando. Vieram os primeiros pedidos de cabeças, as primeiras pressões. A coisa saiu do rumo completamente quando o jornal finalmente fechou o primeiro contrato publicitário com o governo local. A partir de então, não saía mais nada contra o governo. As matérias eram alteradas à nossa revelia, reinterpretadas e, de alguma forma, mesmo os maiores escândalos viravam matérias positivas.

Foi aí que entrei para o mundo do crime e comecei a traficar matérias na redação. Por debaixo dos panos, passava minhas matérias à editoria de Nacional, que ainda conservava uma certa independência. Lembro que, com muito esforço e uma empolgação maior ainda, consegui emplacar umas duas ou três historinhas no caderno principal. Mas as reações foram tão violentas que eu entendi que essa guerra era muito maior do que eu. E desisti.

Eu tentei, muita gente tentou, encarar o JB como o velho JB, aquele que a minha geração sequer conheceu. Mas não deu. Essa imagem de sonho não cabe mais dentro do jornal-empresa, do jornal-lucro, do jornal-vendido em que se transformou o Jornal do Brasil. Infelizmente, só sobrou mesmo o nome.

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Jornalista