O Estado de S.Paulo está sob censura prévia há mais de 70 dias. Esta arbitrariedade judicial poderia ter sido imediatamente estancada e desmoralizada se algum dos grandes jornalões brasileiros tivesse encarado os censores do Superior Tribunal de Justiça de Brasília e publicado o que faltava do relatório da Polícia Federal sobre as estripulias do clã Sarney. Os capangas do presidente do Senado – e nem o próprio – teriam a coragem de estender as sanções ao Globo e à Folha de S.Paulo.
Demorou, mas aconteceu: a Folha, enfim, saiu da toca em que se abrigou desde o início de fevereiro, quando o seu dileto colaborador tornou-se o protagonista da mais aberrante coleção de escândalos da nossa história legislativa.
A manchete da edição de domingo (11/10) com a transcrição das comprometedoras conversas de Fernando Sarney – o primogênito encarregado de fazer os negócios da família – com o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, é uma bomba arrasa-quarteirão. Fica comprovado que o ex-ministro Silas Rondeau era de fato pau-mandado de Sarney e que as denúncias anteriores eram rigorosamente procedentes, a despeito da choradeira e dos protestos de inocência.
Escancara-se em grande estilo o sistema de prevaricação e ilegalidade instalado no gabinete de um ministro de Estado, membro do primeiro escalão da República, figura de proa do projeto de exploração do pré-sal, sobre o qual se depositam tantas esperanças.
Gravações legais, divulgação embargada
As gravações foram feitas pela Polícia Federal com autorização judicial e fazem parte do mesmo inquérito que o desembargador Dácio Vieira não queria ver divulgado peloEstadão.
O teor das conversas é surpreendente e desconcertante: até agora se sabia que na Esplanada dos Ministérios estavam implantados poderosos lobbies, porém jamais se conseguiu radiografar com tamanha precisão o modus operandi de um destes apêndices governamentais que chegam a controlar a agenda de ministros, impõem decisões que favorecem os seus interesses e comandam a maquina administrativa.
Não importam aqui as implicações e desdobramentos políticos e judiciais das revelações da Folha. O que os três poderes farão com estes estarrecedores flagrantes torna-se secundário considerando-se a letargia moral e a arrogância que tem acompanhado denuncias anteriores.
Importa, sim, o despertar de uma imprensa que passou os últimos anos entretida com o seu umbigo e suas crises de identidade, mais preocupada com o ‘modelo de negócios’ do que com os seus compromissos com a sociedade, por isso distraída pelas banalidades que ela própria incubou.
No meio de um feriadão, esperava-se uma edição de domingo burocratizada, com a habitual manchete estatística sobre o sexo dos anjos. De surpresa, aFolha brinda os seus leitores com uma primícia há muito não oferecia. A semana que começaria chocha tem tudo para terminar vibrante.
O Estadão já não precisa ficar contando os dias que passou amordaçado, inventando pronunciamentos e protestos contra a violência sofrida. Agora pode levantar-se e lutar. Pode, inclusive desafiar os censores e reproduzir o que a Folha ousadamente publicou.