A tragédia da Air France já começou a mobilizar a imprensa nacional. Isto é perfeitamente compreensível. Afinal, não é todo dia que um Airbus cai no Atlântico com mais de 200 pessoas, 80 das quais brasileiras.
Pouco tempo depois da tragédia, o presidente da França veio a público pedir às autoridades ‘que coloquem todo seu empenho em seguir a pista do avião’ (ver aqui).
A manifestação de Sarkozy dá uma idéia da importância deste evento que ceifou tantas vidas humanas francesas e brasileiras. Mas sua análise também nos ajuda a compreender as nuances do discurso político.
Ao transferir a responsabilidade para outras autoridades, Sarkozy disse muitas coisas. Nas entrelinhas, admitiu sua impotência diante da tragédia atlântica da Air France. Seu discurso pretende desfazer qualquer impressão de que ele não podia fazer nada ou nada fez para impedir ou remediar a tragédia.
Como bom político, Sarkozy foi evasivo diante do imponderável:
‘Informado esta manhã da perda de contato com um Airbus A330 da Air France que cobria a rota Rio de Janeiro-Paris Charles de Gaulle, o presidente da República manifesta sua viva inquietação.’
Hierarquizar desgraças
A análise da nota do presidente da França é importante porque nos ajuda a penetrar nos meandros do discurso político e de suas conseqüências jornalísticas. Que jornalista arriscaria dizer que Sarkozy não dá importância para o sofrimento dos familiares das vítimas? Que ele não fez tudo que estava ao seu alcance para procurar destroços e sobreviventes do acidente com o Airbus?
Os governantes têm tanto poder para governar o passado quanto para controlar todas as conseqüências futuras de suas ações no presente. A verdade nua e crua é que o passado não pode ser desfeito e o futuro é sempre imprevisível. Mesmo assim, no âmbito do discurso político, a impotência governamental precisa ser disfarçada porque o ceticismo popular é um poderoso corrosivo para a legitimidade do homem público. Não é a toa que todos os políticos procuram ajustar-se às percepções das pessoas ou ajustá-las às suas próprias necessidades.
A imprensa já foi descrita como uma maravilhosa devoradora de cadáveres. Quantos cadáveres as inundações no Norte e Nordeste do Brasil terão que fazer para rivalizar com a tragédia da Air France?
Não gosto de hierarquizar as desgraças. Mas, infelizmente, é exatamente isto que devemos fazer neste momento em que as inundações podem ser preteridas por causa do acidente que comoveu a França e o Brasil. Evento que certamente mobilizará muito mais os corações e mentes de muitos jornalistas brasileiros justamente por causa de suas conseqüências européias.
Três helicópteros e um barco
É evidente que as autoridades brasileiras também têm o dever de tentar localizar destroços e sobreviventes do desastre aéreo. Entretanto, não podemos descuidar de um problema ainda mais sério no continente que tem potencial para provocar muitas outras mortes. E é exatamente isto que vai ocorrer caso a opinião pública esqueça da tragédia nacional em benefício do acidente internacional, possibilitando aos nossos políticos se ajustarem às percepções populares perversas construídas com a ajuda da mídia.
A imprensa brasileira parece não ter a capacidade de relacionar os recursos destinados às vitimas da inundação aos deslocados para localizar o avião da Air France. As imensas regiões brasileiras alagadas estão sendo socorridas por escassos três helicópteros e um barco-hospital da Marinha.
Sete aviões brasileiros
Abaixo uma lista dos recursos utilizados para localizar os destroços do Airbus da Air France.
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Uma aeronave Amazonas (SC-105 2810) pousada em Natal, RN, com previsão de decolagem às 02h50 (horário de Brasília) para realização de buscas;**
Uma aeronave Hércules (C-130 2474) efetuou buscas no dia de hoje (2/6) na área, sem detectar nenhum indício de localização do voo AFR 447 e pousou em Natal às 22h35 (horário de Brasília);**
Duas aeronaves Hércules (KC-130 2462 e C-130 2466) decolaram do Rio de Janeiro, RJ, com destino a Natal, às 21h00 e 21h40 (horário de Brasília), respectivamente. As três aeronaves C-130 envolvidas na operação decolam de Natal para continuidade das buscas às 03h (horário de Brasília);**
Uma aeronave R-99 6751 decolou de Fernando de Noronha, PE às 22h35 (horário de Brasília), com destino à área de busca, para realização de padrões de busca com utilização do radar de abertura sintética, varredura eletrônica nas freqüências de transmissão do localizador de emergência (ELT) e, caso as condições sejam favoráveis, o FLIR (equipamento infravermelho);**
Um avião Bandeirante de patrulha marítima (P-95 7100) que realizou a busca no dia de hoje na rota do voo AFR 447, encontra-se em Fernando de Noronha à disposição da coordenação do Salvaero Recife;**
Uma aeronave Bandeirante SAR (SC-95 6545) pousada em Natal à disposição do Salvaero Recife.Diferença de tratamento
As aeronaves de outros países utilizadas são:
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Uma aeronave francesa Falcon 50;**
Uma aeronave americana P-3.Helicópteros:
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Um helicóptero Blackhawk (H-60 8906) disponibilizado para resgate, pousado em Natal;**
Um helicóptero Super Puma (H-34 8731) disponibilizado para resgate.Navios:
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navio-patrulha Grajaú;**
corveta Caboclo;**
fragata Constituição.Há uma clara diferença entre o tratamento dispensado às vítimas pobres e o dedicado às ‘outras’ vítimas. O Brasil está a fazer uma distinção qualitativa entre as vítimas das regiões norte/nordeste e as da Air France. Isto é vergonhoso. Mais vergonhoso ainda é a imprensa noticiar os recursos destinados a uma tragédia e à outra e não relacionar ambas as informações.
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Advogado, Osasco, SP