Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Somos todos culpados

Tenho lido e ouvido bobagens inqualificáveis nos últimos meses que não podem ser chamadas senão de absurdos. Destaca-se, entre os absurdos, a tentativa européia de colocar culpa na produção de biocombustíveis pela alta dos alimentos. Já se demonstrou cabalmente que, se há responsabilidade dos biocombustíveis nessa inflação, ela deve ser creditada ao etanol que os norte-americanos estão produzindo do milho, e não ao etanol da cana-de-açúcar que produzimos no Brasil.

A questão, entretanto, se torna menor diante de uma série de outros problemas que correm em paralelo e da qual os governos, os organismos internacionais e mesmo a grande imprensa parecem não se dar conta como a causa real dos problemas.

Trata-se da superpopulação planetária, hoje em 6,7 bilhões de pessoas, ao mesmo tempo em que ocorre a já conhecida ‘inclusão social’ em vários países e regiões do planeta, transformando em consumidores urbanos parte dessa imensa população – que antes era rural e produzia alimentos para seu próprio consumo. Há mais de dois anos venho escrevendo sobre isso. Em 15 de agosto de 2007 publiquei em diversos sites, inclusive em meu blog, http://richardjakubaszko.blogspot.com, o artigo ‘O que será do agronegócio daqui a alguns anos’, onde previa, com minha ‘bola de cristal’, o futuro aumento dos preços dos alimentos, commodities em especial, e arriscava dizer que o agronegócio teria tempos risonhos pela frente. Em dezembro de 2007, The Economist saiu com matéria de capa e a chamada ‘The end of cheap food‘. A partir daí, os absurdos nacionais e internacionais se amplificaram.

Estoques cada vez mais baixos

Do lado internacional, o absurdo da acusação aos biocombustíveis, esquecendo o tremendo aumento de demanda por alimentos, principalmente o chinês. Para piorar a situação, os fundos de investimentos descobriram as commodities, um ambiente quase virgem de especulações no fantástico cassino em que tornou o mundo contemporâneo, com o petróleo inflacionado nessa cesta básica de alternativas especulativas, já que a crise do subprime norte-americano limitou o campo de trabalho dos especuladores. Seria até desejável que se apresentasse a crise mundial. Em caso contrário, teremos situações inusitadas e nunca imaginadas.

Agricultores no mundo inteiro prepararam-se para plantar mais, seja aumentando as áreas de plantio, seja investindo em tecnologias para melhorar a produtividade. A excessiva demanda de fertilizantes gerou um gargalo na produção e a oferta destes e os preços estouraram, por absoluta incapacidade de se atender a todos os consumidores. Levará no mínimo três anos para que investimentos em novas fábricas e de aumento de capacidade produtiva amadureçam e permitam atender as novas demandas dos agricultores. Portanto, chegamos ao limite dentro das atuais condições de jogo. Como declarou o engenheiro agrônomo Norman Borlaug, Prêmio Nobel da Paz de 1970, ‘sem fertilizantes é fim de jogo’. E nisso, somos todos culpados. Até porque, em média, para produtores de milho, soja e trigo, a relação de troca com os fertilizantes ainda é equilibrada, desde que a lavoura esteja perto dos portos. Se estiver lá no fundão do Brasil, empata ou dá prejuízo.

Assim, chegaremos a uma situação inusitada: carestia planetária, falta de alimentos e incapacidade de produzir mais, com estoques de segurança alimentar cada vez mais baixos. Atingimos neste início de ano os mais baixos estoques de milho, soja, trigo e arroz dos últimos 20 anos. Observem que a população mundial teve um aumento considerável de consumidores nesse período, seja por nascimentos, seja por inclusão social, seja por menor mortandade das pessoas, já que a expectativa média de vida aumenta em todo o planeta.

Absoluta falta de dinheiro

Ou colocamos um freio no aumento populacional, ou vamos para uma inflação planetária sem precedentes na história humana. Com os atuais contingentes humanos, em todos os continentes, veremos em breve migrações gigantescas por conta de secas e outras intempéries. E isso não é uma previsão fatalista ou catastrófica, e nem tampouco pessimismo.

O excesso populacional já nos dá pistas no trânsito de cidades como São Paulo, que sempre foi caótico, mas anda insuportável. ‘Culpa do presidente Lula, que propiciou a melhoria de vida das classes C e D, que melhorou a renda e comprou automóvel.’ Esse foi mais um dos absurdos que ouvi de um tucano radical esta semana, como se fosse desejável que aqueles trabalhadores permanecessem na pobreza, sem incomodar os ricos e a classe média alta no trânsito.

O excesso populacional nos dá outras pistas, como a absoluta incapacidade dos governos – federal, estaduais e municipais – de praticar políticas públicas de inclusão social, seja rede de esgoto, água tratada, asfalto nos subúrbios, escolas públicas, hospitais, transporte público e segurança, por absoluta falta de dinheiro. A carga tributária já é quase insuportável. Não há e nem haverá imposto suficiente a ser arrecadado para atender essas demandas, nem mesmo para Bolsa Família, se a população continuar com o atual crescimento populacional. Com crescimento zero, se levaria pelo menos uma geração, ou 25 a 30 anos, para colocar o atual contingente de pobres em condições humanas e decentes de sobrevivência.

A barriga do porco

Com tudo isso de problema, ainda vai haver inflação mundial, mesmo que a taxa Selic nacional atinja níveis preventivos de 40% ou 50% anuais, para regozijo dos especuladores e dos banqueiros nacionais e internacionais.

Critica-se a febre (aumento dos preços e falta de matérias-primas) como o principal problema e causa da doença que acomete o planeta, seja no Brasil ou nos países do primeiro mundo, esquecendo que a febre não é a causa da verdadeira doença (o excesso populacional), e sim um sintoma de que alguma coisa vai mal.

O planeta mostra sinais de esgotamento, pelo aquecimento, pela poluição, pela falta de terras ou indisponibilidade de água para plantar mais alimentos, pela previsível e anunciada incapacidade de se produzir mais combustível fóssil como petróleo, carvão e outros minerais – e eis que agora temos os fertilizantes na marca do pênalti. Os produtores de milho e soja dos EUA estão usando esterco suíno para substituir fertilizantes na lavoura. Começam a correr atrás do próprio rabo, pois a barriga do porco é o melhor saco para o milho. Um dos dois vai faltar. Sem milho na barriga do porco não vai haver esterco. E sem esterco não vai ter milho.

Contraste gritante

E nós, na América Latina?

A economia da América Latina expandiu-se ao ritmo médio de 5% nos últimos cinco anos, mas a China cresce 10% há quase 30 anos. Os índices de crescimento da Índia são de 8% há uma década e os da Europa Oriental, de 6%. Em comparação com outras partes do mundo em desenvolvimento, a economia da América Latina está ficando para trás.

Se considerarmos a redução da pobreza, o contraste é gritante. Na Ásia, a parcela da população vivendo na pobreza caiu de 50% em 1970 para 19% hoje; na América Latina, no mesmo período, a redução foi de 43% para 36%, segundo a ONU e conforme matéria publicada no Estadão, de onde tirei alguns desses dados.

Enquanto os países asiáticos e do Leste Europeu produzem engenheiros e cientistas em massa, a América Latina produz apenas psicólogos, sociólogos, jornalistas, publicitários, professores e cientistas políticos, quase todos mal formados.

Pílulas de estrume

Por que tudo isso é importante? Porque numa economia baseada no conhecimento, não são as matérias-primas que fazem alguém rico, mas os serviços, o marketing e os cérebros. Um bom exemplo: de cada xícara de café plantado na América Latina que os consumidores compram na Europa, menos de 1% do preço vai para os agricultores. Os 99% restantes vão para os que trabalham com engenharia genética, processamento, marketing das marcas, comércio varejista, atacadistas, traders, produção de insumos e outras atividades baseadas no conhecimento que ajudam a produzir uma xícara de café.

Não será produzindo commodities que vamos tirar a barriga da miséria. Até porque o horizonte risonho que se mostrava antes aos agricultores brasileiros, agora se mostra escurecido pelo encarecimento dos fertilizantes. Não foi à toa a mais recente matéria do Economist, de abril último: ‘The silent tsunami‘, que mostra a crise mundial dos alimentos e de como solucionar o problema, e que na opinião deles apenas o Brasil está com o passo certo.

Somos todos culpados enquanto não fizermos a lição de casa e se não reduzirmos o crescimento populacional. Os governos e a Igreja não tomarão partido nessa briga quixotesca. Pessoas rendem votos e almas a serem cabaladas. A sociedade e a imprensa devem debater a fundo esse grave e antipático problema, caso contrário a tese de Thomas Malthus prevalecerá.

Poderemos chegar, dentro em breve, ao episódio relatado de um otimista que, desejando mexer com os brios de um pessimista radical, lançou-lhe a pior das previsões, a de que no futuro breve teríamos apenas pílulas confeccionadas com estrume humano e animal para nos alimentar. Após pensar por um breve momento, o pessimista vaticinou: ‘Um dos dois vai faltar.’

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Editor e publisher, DBO Agrotecnologia