Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘Sou anarquista’

Desde o fim da eleição presidencial de 2014, Jô Soares passou a criticar em seu “Programa do Jô”, na Globo, aqueles que pedem o impeachment de Dilma Rousseff.

Suas posições no quadro “As Meninas do Jô”, em que debate com jornalistas, entre outras coisas, a política nacional, passaram a ser vistas como “de esquerda” e o apresentador ganhou, nas redes sociais, uma reputação de “petista fanático”.

Na sexta (12), Jô entrevistou por 69 minutos a presidente no Palácio da Alvorada, em Brasília. Seu programa marcou 7 pontos no Ibope na Grande São Paulo, um aumento de 2 pontos em relação às quatro sextas-feiras anteriores (cada ponto equivale a 67 mil domicílios).

Após a exibição da entrevista (disponível no site do programa), Jô voltou a ser atacado pelo tom da conversa, tido por críticos como ameno, e pela escolha da entrevistada. Ele falou à Folha:

Você ficou chateado com as críticas?

Jô Soares – Nem um pouco. Algumas delas foram tão impertinentes que até achei graça. As pessoas têm o direito democrático de criticar. E eu sabia que as opiniões ficariam divididas. Houve comentários muito raivosos e outros muito carinhosos. Só tenho a agradecer as centenas de manifestações de carinho. As pessoas têm o direito de falar. Todos têm o direito de se manifestar. Mas, para mim, mais do que valeu.

Houve críticas ao tom da conversa.

J.S. – Não era um debate. Era uma entrevista. Não cabia a mim rebater a presidente a cada momento. Eu fiz as perguntas que precisavam ser feitas. Agora, se as respostas não agradaram, o problema é de quem ouviu.

Como escreveu o [ator] Otavio Martins no Facebook, esse pessoal é capaz de querer a recontagem dos gols da Alemanha [risos]. O que começou a me irritar foi essa conversa de “Fora Dilma”. Como? Ela é a presidente da República. Ela foi eleita. Ela não é um técnico de futebol. O país está dividido, mas não é por isso que vou deixar de entrevistar a presidente.

A entrevista foi feita no tom que você sempre adota no programa.

J.S. – Exatamente. Sou jornalista também, desde 1963, quando trabalhei no jornal “Última Hora”. São 54 anos de profissão em que navego pelo humor, pelo jornalismo, pelo teatro. Já entrevistei de Luis Carlos Prestes a Paulo Maluf, fazendo todas as perguntas que um jornalista democrático deve fazer. O Lula foi ao meu programa 13 vezes [antes de ser presidente].

Você entrevistou outros presidentes no cargo também.

J.S. – Entrevistei Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto na época da reeleição. Todas as entrevistas no programa sempre foram feitas em tom de cordialidade e intimidade. Não é porque a Dilma está com a popularidade baixa que seria diferente. Não tenho por que mudar o meu estilo.

Nem vou deixar de entrevistar a presidente do meu país porque ela está passando por um momento grave. E queriam tanto ouvir a entrevista que não teve sequer panelaço. Foi uma recepção sensacional.

Você acompanhou a repercussão nas redes sociais?

J.S. – Eu soube que bateu recorde, foi “trending topic” [figurou nos assuntos mais comentados do Twitter]. Isso é o que interessa. A prova de que eu estava certo é que a entrevista despertou toda essa atenção.

O programa vai deixar de entrevistar políticos por um tempo?

J.S. – Não. Nunca mudei meu programa e nunca vou mudar. São 26 anos fazendo entrevistas. E quero dizer o seguinte: o programa retoma o seu ritmo normal nesta semana. Amanhã teremos de volta as “Meninas do Jô”.

Existe a possibilidade de mudança de formato no seu programa para aumentar a audiência?

J.S. – O programa diminuiu em tempo, tenho uma entrevista a menos. Eu não sou pago para analisar o que faço, sou pago para fazer. Em um programa de entrevistas, a única coisa que muda é o entrevistado ou o entrevistador.

Neste ano, demos uma enxugada em termos visuais [até o sexteto que o acompanhava diminuiu].Tirando isso, o que interessa é o conteúdo. Meu contrato com a TV Globo vai até 2016.

Antes de entrevistar a presidente, falava-se nas redes sociais numa guinada à esquerda sua.

J.S. – Eu acho graça. Tudo depende de quem estou entrevistando. Repito: se entrevisto um tucano, sou petista. Se entrevisto um petista, sou tucano. É o mesmo equilíbrio que a Folha tem.

O artista não pode ter uma posição política no sentido intelectual. Tem que ser anarquista. Intelectualmente, eu sou anarquista.

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Lígia Mesquita e Mônica Bergamo são colunistas da Folha de S.Paulo