Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Stédile na Band

‘Os caras caíram como urubus em cima dele. O Mitre chegou a ficar apoplético ao tentar forçar o João Pedro a admitir que a reforma agrária é um modelo ultrapassado, como defende o renegado Graziano’ (ver mensagem de Romeu Sierra, na íntegra, ao final).

Concordo com as críticas feitas aos jornalistas da Band, que espumavam de ódio contra um alvo sereno, seguro e inacessível, que não conseguiam sequer arranhar. Mas é justo também considerarmos o aspecto positivo da emissora ter convidado João Pedro Stédile para estar lá, coisa que a Globo dificilmente fará.

Diagnostico como sincera a gratidão de João Pedro expressa diante de algumas perguntas e, ao final da entrevista, mantendo ainda aquele sotaque gaudério que me coloriu os ouvidos durante o final de 2006 ao de 2007, quando permaneci em sua querência.

Faziam várias perguntas ao mesmo tempo, querendo ganhar a guerra no grito. E depois, hipocritamente, cobraram que o Stédile não tinha respondido uma delas. Dizia ele sem nenhuma alteração: ‘Eu expliquei. Você que não entendeu…’ E explicava novamente, como uma professora atenta ao aprendizado de seus pupilos mais indisciplinados e carentes.

Suponho que o índice de audiência foi elevado, demonstrando que dá lucro iniciativas como esta e que compensam serem adotadas como norma, enfraquecendo a concorrência, mais exatamente, a Globo. Negócios!

Democracia e socialismo

Quem conhece o MST sabe que a bandeira do socialismo não é mera teoria ficcional e está muito bem consolidada em cada militante, graças a um eficaz sistema de ensino democrático e dialético, que respeita a consciência de cada um.

Deduzo que o MST prefere utilizar as ferramentas que o capitalismo permite politicamente para se fortalecer e aos seus militantes. Aguarda que o socialismo surja naturalmente e se expanda após esta conscientização das massas e o estabelecimento de um padrão ético de comportamento dos militantes, da fiscalização que estes exercem sobre seus líderes etc. Sem isto, ele sucumbirá como ocorreu com tantos outros partidos que se diziam dos trabalhadores, de esquerda etc., aqui e no exterior.

Conforme declarou, no Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, em palestra sobre o racismo na mídia, o jornalista Dalmir Francisco, mestre em Ciência Política pela UFMG e doutor em Comunicação pela UFRJ, Marx condenava aqueles que julgavam ser possível o surgimento do socialismo como fruto apenas de sua base econômica, em detrimento do valor da ética socialista, que é inexorável neste processo.

Citando a falecida Carta de Princípios do PT: ‘Sem democracia não há socialismo e sem socialismo, não há democracia.’

Ou, em minhas palavras: ‘A única democracia possível é a ditadura do proletariado’ (ver aqui).

Ubuntu e ágape

A crítica do Stédile ao governo Lula foi além da reforma agrária. Ele declarou taxativamente a necessidade de se mudar o sistema econômico. Isto significa um avanço qualitativo em direção à revolução – pacífica, espero… Mas sempre é possível ocorrer um estouro da boiada a qualquer traque que explodir, exigindo uma disciplina rigorosa da parte das bases que a farão. E nunca falta quem tenha interesse em ver o circo pegar fogo, a massa irada e sem controle, cometendo toda a sorte de desatinos.

A gente sabe como estas coisas começam, mas nunca como irão terminar. É o risco da mudança, como o de sair à rua, dirigir um carro, andar de montanha russa ou estadunidense…

Oxalá Jeová, Alá, Oxalá e Karl Marx nos livrem de mais um genocídio! Ou melhor, fratricídio. Ubuntu é uma ética ou ideologia da África do Sul que foca nas alianças e relacionamento das pessoas umas com as outras. A palavra vem das línguas Zulu e Xhosa. Ubuntu é tido como um conceito tradicional africano. Uma tentativa de tradução para a língua portuguesa poderia ser ‘humanidade para com os outros’. Uma outra tradução poderia ser ‘a crença no compartilhamento que conecta toda a humanidade’. Uma tentativa de definição mais longa foi feita pelo arcebispo Desmond Tutu:

‘Uma pessoa com ubuntu está aberta e disponível aos outros, não-preocupada em julgar os outros como bons ou maus, e tem consciência de que faz parte de algo maior e que é tão diminuída quanto seus semelhantes que são diminuídos ou humilhados, torturados ou oprimidos.’

O ágape foi explanado por muitos escritores cristãos em um contexto especificamente cristão. Thomas Jay Oord definiu o ágape como ‘uma resposta intencional para promover o bem-estar em resposta a quem gerou um mal-estar’. Digo eu: algo como amar o próximo como a si mesmo ou [não] fazer aos outros o que [não] gostaria que lhe fosse feito, citando textos canônicos. [Claro que, na prática, a teoria é outra!]

Mensagem enviada

Original Message

From: Romeu Sierra

Sent: Wednesday, June 04, 2008 12:54 AM

Subject: [insurgente] A fábula da maçã – João Pedro Stédille na Bandeirantes – Laerte Braga

Assisti à entrevista do Canal Livre com o João Pedro Stédile. Os caras caíram como urubus em cima dele. O Mitre chegou a ficar apoplético ao tentar forçar o João Pedro a admitir que a reforma agrária é um modelo ultrapassado, como defende o renegado Graziano.

Se é possível indicar um modelo de jornalismo descaradamente parcial, esses caras são o exemplo.

No entanto, tenho algumas críticas ao discurso público do João Pedro Stédile. Ele sempre aponta para a possibilidade de uma reforma agrária justa dentro do capitalismo. Desta forma, alimenta ilusões no sistema.

Suas críticas ao governo Lula, apesar de claras e contundentes, se limitam à questão agrária. Ele reforça a ilusão de que, em outras áreas, o governo estaria melhor. É o discurso do governo em disputa.

No geral, deu de relho nos caras. Fazia tempo que eu não via uma entrevista tão boa! Acho que eles não vão convidar outra pessoa tão articulada tão cedo!

Como suas críticas pelo menos nos forçam a pensar, repasso para incentivar a discussão.

Romeu Sierra- PSTU-DF

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e membro do Conselho Consultor da Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida