Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Suplemento jovem sai de cena

No domingo (20/11), a ombudsman da Folha de S.Paulo, jornalista Suzana Singer, trouxe a notícia: “aos 20 anos, mal saído da adolescência, morreu o suplemento Folhateen. Seu falecimento será anunciado amanhã, numa edição derradeira, que remeterá os leitores para uma página semanal no [caderno] Ilustrada”.

Sim, na segunda-feira, dia 21, lá estava encartada, como anunciado, a última edição, mas sem nenhuma justificativa, informação ou satisfação para os leitores que há 20 anos liam o suplemento. Exceto um texto de despedida do colunista Jairo Bouer que, por 18 anos, escreveu semanalmente sobre sexo e saúde. Coluna lida e relida por jovens – e, tenho certeza, por muitos adultos – que, por meio dela, tiravam suas incontáveis dúvidas sobre sexo.

A única menção publicada pelo jornal foi uma matéria, no primeiro caderno, em que a empresa anuncia as reformulações, já antecipadas pela ombudsman, mas, repito, sem nenhuma justificativa. O texto só informa que o Folhateen, um caderno semanal de cerca de 8 a 10 páginas, vira a partir da próxima semana uma página semanal no caderno Ilustrada, uma espécie de caderno de cultura do impresso.

Novos leitores

Em sua coluna de domingo, a ombudsmando jornal diz que a causa mortis, realmente, não foi nem para ela divulgada: “A Secretaria de Redação diz apenas que cadernos jornalísticos têm vida útil.” No texto, Suzana Singer afirma que o fim do caderno sinaliza que a Folha de S.Paulo não acredita mais na fórmula de suplemento para atrair jovens ao meio jornal. Diz Suzana em sua coluna: “O perfil do leitor deste ano mostrou que apenas 11% dos nossos leitores têm até 22 anos – no ano 2000, eram 20%. O principal meio dos jovens das classes A, B e C deixou de ser a TV aberta (35%), ultrapassada pela internet (39%), segundo a pesquisa Hábitos da Mídia, feita pelo Datafolha. O impresso aparece em 6%. (….) O perfil do leitor nos mostrou que os interesses do jovem estão mudando.”

As considerações da ombudsman não estão, teoricamente, erradas, mas não justificam. Se fossem colocadas ao pé da letra por que o jornal não liquidou também o Folhinha, suplemento infantil, que circula e continuará circulando aos sábados? Mais do que os jovens, o perfil das crianças das classes A, B e C também mudaram e nem por isso deixaram de ser privadas do caderno. Aliás, o perfil de todos os leitores de jornal mudou. Se esta fosse a questão, a Folha de S.Paulo poderia adotar a mesma medida, tomada, é claro, por outros motivos, do Jornal do Brasil, do Rio, hoje totalmente digital, sem versão impressa.

Acho que a questão que se coloca é outra: é o lugar que crianças e jovens ocupam na hierarquia dos projetos de comunicação e a questão econômica, do lucro, da rentabilidade. É fato: os suplementos infanto-juvenis não rendem, muitas vezes, economicamente. Mas geram pérolas, leitores, o que é cada vez mais raro. São empresas capitalistas, sim. Não vejo nenhum problema nisso. Mas onde fica a responsabilidade social do jornalismo?

No passado

O que surpreende é que jornais em todo mundo vêm buscando alternativas para atrair cada vez mais os leitores jovens. Inclusive este é um dos temas anualmente tratado no congresso mundial de jornais, do qual participam os principais jornais brasileiros, inclusive a Folha de S.Paulo. Evidentemente há outros porquês que infelizmente não saberemos. A empresa poderia ser, pelo menos, mais transparente. Nem nós nem os quatro únicos leitores que enviaram cartas para a redação do jornal, durante esta semana, e tiveram a “voz” publicada. Que outros leitores se juntem a este pequeno, mas justo e consequente, coro.

Mais um detalhe, nem menos importante. Nesta reformulação, a Folha de S.Paulo também liquidou a página semanal Saber, que há dois anos trazia boas reportagens sobre educação. Era outro grande diferencial. Segundo o jornal, o tema fará parte do caderno Cotidiano. Ou seja: disputará com matérias do dia-a-dia. Já sabemos, a educação estará em pauta, mas quando houver uma boa manchete na visão da grande imprensa, uma greve dos professores, a indisciplina dos alunos, ou os desvios e os cortes de verba do setor. Lamentável, pois o trabalho, tanto da Folhateen quanto do Saber, produzido por jornalistas conceituados, fica no passado.

As cartas publicadas pelos leitores

“O Folhateen vai acabar e a página da educação, Saber, também? Lamento muito. Parece que a Folha ignora a figura do leitor, embora diga que não. Será que o acompanhamento do jornal, feito ao longo dos anos pela criança e pelo jovem perdeu, perdeu a importância? Tomara que futuramente o jornal ofereça textos ao jovem e não deixe que as análises sobre educação sejam feitas pelos mesmos colunistas” (Doralice Araújo, Curitiba)

“Parece que a Folha está desistindo, já há alguns meses, de seus suplementos semanais, o que me preocupa muito, pois a qualidade do jornal pode ser afetada. Nos últimos meses, alguns suplementos reduziram paulatinamente o número de páginas. Afirmar que o fim do Folhateen ocorre porque os jovens não leem jornal impresso me parece uma atitude escapista. Menos cadernos semanais permitem economia ao jornal, pois significam corte de pessoal e de gasto com papel, mas gostaria que o jornal, por mais que isso possa doer, fosse mais transparente e realista com seu público” (Marcelo Avelar de Mello, Belo Horizonte)

“Foi com muita tristeza e indignação que soube, ao ler a Folha, que a página semanal Saber deixará de existir. Apesar de não ter nenhuma ligação com a área de educação, confesso que aguardava ansiosamente as segundas-feiras para fazer a leitura da página. Num país como o nosso, em que a educação chega a ser deplorável, é imprescindível que uma página semanal em um jornal de peso como a Folha possa existir para alargar e iluminar os nossos horizontes na área de educação” (Jailse de Alvarenga Andrade, São Paulo)

“Durante o tempo em que Jairo Bouer colaborou com o Folhateen, seus artigos foram de enorme ajuda no centro de planejamento familiar que trabalho desde 1985. Eles falavam a linguagem do jovem e tratavam de assuntos interessantes, o que nos dava a chance de boas conversas. Parece-me um absurdo que a Folha interrompa o seu trabalho” (Beatriz C. Vocurca e Teixeira, Belo Horizonte)

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[Marcus Tavares é professor e jornalista especializado em Educação e Mídia]