Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Surpresas e as mesmices de sempre

A noite do Oscar decepcionou na semana em que qualquer manchete daria um estupendo filme – a exumação secreta de Pedro I e suas duas mulheres, os escândalos destampados do Vaticano com a saída do papa, o violento circo armado em torno da blogueira cubana Yoani Sánchez, a condenação de Gil Rugai.

É de amargar a paradinha no tapete vermelho onde as mulheres mostram o derrière e fazem poses. Pior só desfile de miss. Mas quando abrem a boca nas entrevistas só falta apontar O Pequeno Príncipe como a leitura predileta. Loucas para dizer o nome do estilista que confeccionou o vestido – naturalmente o pagamento pelo próprio –, elas sacavam Dior, Valentino, Armani e Prada como quem posa para Caras. Só mesmo Helen Hunt desconcertou o entrevistador dizendo que o seu azulzinho tinha sido comprado na baratíssima H&M.

E o óbvio daquelas perguntas que todo jornalista sabe que não deve fazer, mas os entrevistadores da CNN fizeram – entre outras, “como é ser a sra. Dustin Hoffman?”, para a mulher que acompanhava o ator.

A canção de abertura do apresentador e humorista Seth McFarlane seguia a linha machista: depois do derrière no tapete vermelho, o tema era os seios das mulheres. O mau gosto não ficou por aí, o público ainda ouviria a piada do ursinho de Ted sobre a importância de ser judeu em Los Angeles – leia-se, para conseguir um lugarzinho nas produções de Hollywood. “Nesta cidade é melhor ser judeu.”

Erro histórico

Até hoje na imprensa só vi José Wilker lastimar na Globo que o Oscar de melhor atriz tenha parado nas mãos da atriz de 22 anos com um filme nem tão bom – Jennifer Lawrence, em O Lado Bomda Vida. A favorita era aquela inusitada mulher de 86 anos, Emannuelle Riva, atriz de Amor no papel que Dorrit Harazim já havia qualificado no Globo de domingo (24/2) como estupendo, “cuja beleza desconcerta, por deixar intactas as marcas da vida”. Claro, as outras mulheres indicadas ou tinham 22 anos como Jennifer ou passaram pelo bisturi e o botox que tiram justamente aquelas rugas indicadas por Dorrit, onde houve e ainda há vida.

Steven Spielberg foi castigado mais uma vez pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Ficou para trás amargando indicações para 12 categorias, mas só duas vingaram. Uma delas onde menos caberia, a direção de arte, e a segunda touché: o melhor ator que se Daniel Day-Lewis não levasse haveria vaias. O público gostou tanto que nem se importou com a piada sem gosto, bem no clima da noite, de Day-Lewis dizendo que tinha sido escalado para Margareth Thatcher no lugar de Merryl Streep. Merryl faria Lincoln (?). E completou: seu único comentário ao ser convidado por Spielberg foi pedir que Lincoln não fosse um musical. As vaias já haviam ficado com o âncora Seth Farlane quando ele disse “o ator que melhor conseguiu entrar na cabeça de Lincoln foi John Wilkes Booth”, o assassino do presidente em 1865… Spielberg, que faz um proposital silêncio desde o tsunami promocional de Argo, manteve a discrição.

No, o primeiro filme chileno indicado na categoria de melhor filme estrangeiro do Oscar, passou despercebido. O ator Garcia Bernal e o escritor Antonio Skármeta, que escreveu o romance de inspiração Plebiscito, também. O diretor Pablo Larrain fez uma espetacular remontagem em U-Matic, técnica utilizada na TV na época, do plebiscito que derrotou o ditador Augusto Pinochet em 1988. Pinochet planejou um golpe ao ver que a campanha do “No” venceu a do “Sí” organizada pelos marqueteiros do seu governo, mas temendo a pressão internacional até seus generais foram contra. De brincadeira, Larrain coloca publicitários da campanha do “No” na mesa do “Sí”. Uma troca semelhante de Spielberg resultou um erro histórico: em Lincoln, dois congressistas que votaram a favor foram contrários à abolição da escravatura.

Clichês em excesso

Como Lucas Mendes escreveu de Nova York no site da BBC Brasil, não haveria a menor chance de dois documentários ressuscitarem a paz no Oriente Médio, mas eles dividiram votos e ajudaram a ressuscitar Rodriguez, um cantor desconhecido no cenário musical americano, que lançou dois LPs na década de 1970 e virou ídolo na África do Sul.

Rodriguez é tema de Searching for a Sugar Man, vencedor do Oscar na categoria documentário de longa metragem, derrotando Cinco Câmeras Quebradas e The Gatekeepers, sobre o conflito árabe-israelense, ambos financiados por Israel mas uma pedrada certeira em Israel a favor dos palestinos – sem chance de levar a estatueta.

De olhos grudados no Dolby Theater de Los Angeles estavam calculadas 60 milhões de pessoas que viram e ouviram muito lugar-comum. Nirlando Beirão, na coluna “Estilo” da CartaCapital, escavou os comentários dos vencedores ao subirem no palco desde 1971 e achou 73 que exclamaram “wow”, 48 que clamaram por Deus e 17 perplexos (“não consigo acreditar”, “não sei o que dizer”). Nos agradecimentos, 48 bajularam a Academia, 65 mencionaram os companheiros de equipe, 51 “meus parceiros de indicação”.

Foram mau gosto e clichês em excesso para um espetáculo-tablóde de TV que incensou o vencedor de melhor filme Argo em campanhas de 10 milhões de dólares promovidas pela Warner. Desde segunda-feira (25/2) o diretor-ator Ben Affeck no papel de agente da CIA, que resgatou seis funcionários da embaixada americana em Teerã em 1980, vem sendo tripudiado pelos iranianos e o filme tachado de anti-Irã.

***

[Norma Couri é jornalista]