Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Talento ofuscado pela representação midiática

Há cinco anos, no mês de julho, falecia a cantora e compositora britânica Amy Winehouse. Em um cenário musical marcado por pouca criatividade, ídolos fabricados e sucessos efêmeros, Amy se destacava pelo poderoso e profundo contralto vocal que em nada ficava devendo aos maiores nomes do jazz.

Entretanto, a vertiginosa perseguição midiática, através da atuação de paparazzi sedentos por retratar pessoas famosas em situações constrangedoras, ofuscou para o grande público o fator que realmente importava: o inquestionável talento artístico de Amy.

Infelizmente, a cantora passou para a posteridade mais por sua imagem midiática de “drogada” do que por ser uma artista que, como poucos, soube obter boas vendagens sem perder o refinamento musical ou se render aos ditames do mercado. Morta precocemente aos 27 anos (a mesma idade de Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison), Amy gravou apenas dois álbuns (em dezembro de 2011 foi lançando um disco póstumo: Lioness: Hidden Treasures).

Seu último registro fonográfico em vida – Back to Black – vendeu milhões de cópias e a tornou conhecida mundialmente. As letras deste disco deixavam claro o envolvimento da cantora com psicoativos e o amor doentio por Blake Fielder-Civil (ex-marido, responsável por apresentá-la ao mundo das drogas). Concomitantemente ao sucesso profissional, aumentavam também os dramas pessoais.

Em seus últimos shows, ela já não queria cantar as letras daquelas canções que tanto a machucavam emocionalmente. Amy começou a sabotar shows: subia ao palco, mas se apresentava completamente embriagada ou então se recusava a cantar. Programas de televisão de vários países (incluindo o Brasil) debochavam dos problemas com o uso abusivo de drogas enfrentados pela cantora. Não obstante, seu pai/empresário a forçava a produzir cada vez mais (diga-se de passagem, prática comum no show business). Talvez a única maneira encontrada por Amy para fugir dessa realidade massacrante seria estar sob o constante efeito de entorpecentes. Essa escolha foi fatal.

Conforme apontam pensadores como Guy Debord e Jean Baudrillard, na “sociedade do espetáculo”, ou “era da simulação”, a representação feita pelos meios de comunicação de massa sobre alguma pessoa, acontecimento ou movimento social tende a substituir a própria realidade, levando o público a conhecer apenas a aparência, e não a essência das coisas.

É difícil levantar alguma hipótese sobre a relação entre fama, pressão por produtividade e consumo desenfreado de álcool e drogas por Amy Winehouse. Lembrando Sartre, desde que não apresente graves comprometimentos cognitivos e tenha suas necessidades vitais suprimidas, o indivíduo é, em grande medida, responsável pelos rumos tomados durante sua existência. Fato é que o foco incessante em questões pessoais, em detrimento de sua arte, conforme o mencionado anteriormente, impediu que Amy Winehouse fosse reconhecida ainda em vida como uma das maiores cantoras que surgiram nas últimas décadas.

***

Francisco Fernandes Ladeira é mestrando em Geografia e Natalia Freitas é cantora e compositora