Dois advogados que integram comissão do Instituto de Advogados do Brasil (IAB), Bruno Silva Rodrigues e Diogo Tebet da Cruz, questionam frontalmente a prática da TV Globo no caso das falsas licitações de hospital da UFRJ convocadas pelo falso gestor protagonizado pelo repórter Eduardo Faustini. Está no artigo “Jornalismo não pode investigar crimes a qualquer custo”, publicado no site Consultor Jurídico.
Argumentam que não houve crime de corrupção ativa porque o repórter da Globo não tinha poderes para convocar procedimento licitatório em caráter emergencial. Os autores citam o penalista Nelson Hungria:
“Um crime que, além de astuciosamente sugerido, tem suas consequências frustradas de antemão não passa de um crime imaginário. Não há lesão, nem efetiva exposição de perigo de qualquer interesse público ou privado”.
O repórter Rodrigo Haidar, correspondente do Consultor Jurídico em Brasília, alerta que as gravações feitas por Durval Barbosa, o homem que derrubou José Roberto Arruda do governo do Distrito Federal, constituem a base da operação “Caixa de Pandora”, da Polícia Federal, relacionada ao caixa dois brasiliense. Como no caso da reportagem do Fantástico, não foram gravações autorizadas pelo Judiciário. Durval as fez muito antes de se decidir a aderir ao programa de delação premiada.
Licitações inexistentes
Entretanto, Haidar respeita o argumento dos dois advogados do IAB apresentado nestes trechos:
“Em primeiro lugar, o que se mostra mais visível para o público é o suposto cometimento do crime de corrupção ativa, tipificado no artigo 333 do Código Penal. Contudo, tal prática mostra-se absolutamente impossível pelo fato de a convocação do procedimento licitatório em caráter emergencial ter se dado, em tese, por um repórter desprovido de poderes para tanto, vez que sua única intenção era demonstrar o mundo da propina, da fraude e da corrupção.
“Também se mostra absolutamente impossível o cometimento, em tese, do crime de corrupção ativa diante da ausência do elemento normativo do tipo, qual seja, a existência de um funcionário público que pudesse retardar, omitir ou praticar o ato de ofício. Na realidade, tudo não passava de uma encenação e todas as gravações ali obtidas são astuciosas ou enganosas, uma modalidade de prova ilícita mais sutil.”
Haidar aceita a argumentação de que Durval Barbosa, ao fazer as gravações que iriam constituir sua “videoteca”, não falsificou sua identidade. O repórter da Globo o fez, claro. (A propósito, é evidente que não se apresentou com seu nome verdadeiro.)
Haidar compara:
“É aquela história. Denunciar um indivíduo que planejava roubar um bebê de uma maternidade é uma coisa, legítima. A imprensa ir até lá, levar o bebê, dar uma volta no quarteirão, só para mostrar que a maternidade não é segura, é outra. Não tem crime aí!”
O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, ratifica a ideia de que não houve crime, mas uma encenação que indica a existência de fraudes e pode motivar inquéritos policiais.
Denúncia só não resolve
A TV Globo tem no seu histórico uma quantidade monumental de boas e proveitosas reportagens feitas com métodos jornalísticos inquestionáveis.
Seria útil um rastreamento das consequências das reportagens em que foram usadas câmeras ocultas. Consequências administrativas e judiciais. Num dos casos mais tristemente famosos, o de Tim Lopes, as consequências humanas foram aterradoras.
E se emergisse a conclusão de que aos picos de audiência corresponderam vales de condenações?
Além disso, se gravações ocultas funcionassem para moralizar qualquer das modalidades que elas denunciaram ao longo de muitos e muitos anos, a sociedade brasileira não viveria hoje com a sensação de que todo mundo mete a mão. E de que o crime compensa.
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