Começou no Brasil uma ‘caça às bruxas’ contra o telefone celular dentro das salas de aula, a exemplo do que está acontecendo em outros países, como Itália e Argentina.
No Rio de Janeiro, a vereadora pastora Márcia Teixeira (PR) capitaneia projeto de lei que proibirá o uso do celular, do iPod e de tocadores de MP3 nas escolas e faculdades do município. Aguarda-se apenas a aprovação formal do prefeito Cesar Maia (DEM).
Em São Paulo, o governador José Serra (PSDB) já sancionou o exorcismo. O autor do projeto, deputado estadual Orlando Morando (PSDB), acredita que, agora amparados pela lei, os professores farão o que até então não podiam – tomar o aparelho do aluno e devolver-lhe apenas no final da aula. Mas… e se o aluno resistir? Receberá voz de prisão?
Alega-se que o objetivo é devolver a tranqüilidade à sala de aula e manter a atenção do aluno no professor, como se paradisíacas tranqüilidade e atenção tivessem existido antes do telefone celular!
Afirma-se que o celular é usado para ‘colar’… como se este terrível crime fosse pecado recente! Falta à pastora e ao deputado um pouco mais de contato com a realidade escolar…
Exorcizando o Demônio errado
E lhes falta, sobretudo, compreender as transformações culturais dos últimos dez anos. Estamos na Idade Mídia. Jovens e crianças que cresceram junto com as novas tecnologias encaram o celular como extensão de si mesmos. Mais do que objeto, ele é ‘lugar’ de encontro com os amigos e o entorno. Com o celular conversam, fotografam, filmam, escutam música, consultam as horas…
O celular-ícone. Graças a ele, os adolescentes criam um novo espaço social. De nada adiantará ao sistema educativo restringi-lo ou proibi-lo. Essas leis querem exorcizar o demônio errado. Seria mais proveitoso, por exemplo, que os ilustres políticos apresentassem projetos que providenciassem com urgência a inclusão digital, particularmente a dos professores!
E caberia aos professores, mais do que se tornarem vigilantes da ordem e do silêncio, perseguindo os delinqüentes do celular, compreenderem a encruzilhada em que a escola se encontra. A tarefa pedagógica consistiria em transformar o celular em instrumento e ocasião de aprendizado.
Que aulas fascinantes teríamos, se os professores, cientes dos novos formatos culturais, e do mercado que modela nossos hábitos de consumo, ajudassem os alunos a compreenderem com espírito crítico a influência do telefone celular em nossa maneira de pensar e viver.
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Doutor em Educação pela USP e escritor. Site do autor