Faltando apenas 40 dias para o início da transmissão da TV digital no país, marcado para 2 de dezembro, a população ainda não sabe exatamente qual o impacto que a mudança causará no seu dia-a-dia. O Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (23/10) ofereceu ao telespectador um panorama sobre a implantação do sinal digital no Brasil sob os pontos de vistas técnico e político, comentou a polêmica em torno do assunto e levantou a questão da falta de informação da população sobre o novo sistema de TV.
Participaram do programa, no Rio de Janeiro, o jornalista Nelson Hoineff e o professor de Direito da Propriedade Intelectual no Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV, Bruno Magrani; em Brasília, o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, Julio Semeghini; e no estúdio da TV Cultura, Luiz Fernando Moncau, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (leia o perfil dos participantes ao final do texto).
No editorial que abre o programa, o jornalista Alberto Dines classificou o início das transmissões com sinal digital como ‘obscuro’, pois nem o governo, nem os fabricantes, nem as emissoras de TV conseguiram esclarecer as dúvidas do consumidor. ‘O governo está claramente dividido, o ministério das Comunicações quer uma coisa e o da Ciência e Tecnologia quer outra. As emissoras de TV têm interesses que confrontam radicalmente o que as entidades que defendem os consumidores acham correto’, alertou.
Uma estréia para poucos telespectadores
Em entrevista gravada exibida na reportagem que precede o debate ao vivo, Ricardo César Gadelha, Secretário de Política de Informática do ministério da Ciência e Tecnologia, explicou que as caixas conversoras, chamadas de set top box, ‘vão incluir um software que vai permitir que o telespectador faça interatividade com a televisão. Nós vamos ter um sistema muito mais inteligente.’ Gadelha disse que o cronograma definido prevê que, inicialmente, o sinal digital comece a ser transmitido apenas para a cidade de São Paulo, depois para as grandes capitais e, gradativamente, com a obrigatoriedade de que as emissoras transmitam apenas o sinal digital em um período de dez anos, para as regiões mais remotas.
Gustavo Gindre, integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, avaliou que as principais vitórias da TV Digital no mundo – possibilidade de desenvolver conteúdo tecnológico, democratização da televisão e interatividade – não estarão presentes na experiência brasileira. Para Gindre, o público terá acesso à mesma grade de programação ‘que deixa os cidadãos desesperados nas tardes de domingo’, com uma qualidade de imagem um pouco melhor.
Mudança no paradigma de TV no Brasil
No debate ao vivo, Nelson Hoineff explicou que a TV Digital ‘abre um cardápio de possibilidades’: alta definição de imagem; multi-programação, pois no espaço ocupado por um canal analógico as emissoras poderiam exibir cerca de três grades de programação diferentes; portabilidade do conteúdo em outros aparelhos eletrônicos, como telefone celular; interatividade e facilitação de cópias não autorizadas.
Para Hoineff, a questão da portabilidade muda o paradigma da televisão no Brasil. Hoineff disse que a alta definição não será alcançada em um primeiro momento, pois os conversores não transformam um receptor analógico em digital, apenas permitem que algumas propriedades da TV Digital sejam percebidas pelos aparelhos analógicos: ‘no momento em que começa a transmissão digital não significa que você está começando a transmitir em alta definição’.
A questão da regulamentação e o papel do governo no processo foram debatidos no programa. O deputado Julio Semeghini concordou com Alberto Dines que os consumidores ainda têm muitas dúvidas e disse que isto é um desafio que o governo precisa esclarecer. Semeghini destacou que o preço do conversor precisa ser compatível para que as a população tenha condições de comprar e, assim, poder avaliar a mudança do padrão de transmissão em termos de qualidade da imagem e conteúdo. ‘Nós temos que implementar e assegurar o direito do consumidor de poder acompanhar essa evolução e tomar a decisão de comprar um equipamento’.
A polêmica do boqueio das cópias
Bruno Magrani examinou a questão do possível bloqueio da cópia do conteúdo da TV Digital e citou um estudo da Fundação Getúlio Vargas sobre o assunto. O estudo mostra que a Constituição Federal afirma que a TV aberta no Brasil deve ser livre e gratuita. Com o bloqueio, ela deixaria de ser livre. Outro ponto levantado é a questão da autonomia tecnológica: ‘A Constituição também prevê que você deve criar incentivos para a indústria nacional ter autonomia tecnológica. O bloqueio da forma como está sendo discutido no governo usa uma tecnologia estrangeira que é patenteada.’ A empresas nacionais interessadas em fabricar conversores teriam que ter autorização desta empresa e pagar royalties.
Magrani lembrou que nos Estados Unidos houve uma tentativa de bloqueio, conhecida como broadcast flag, que foi julgada como inconstitucional pela corte. Para Magrani, a tentativa de controle da gravação do conteúdo é ineficaz porque em pouco tempo já haveria formas de contorná-lo. O advogado não acha justo restringir o uso do consumidor de boa fé se o mal-intencionado tem meios tecnológicos para burlar a proibição.
O advogado do Idec. Luiz Fernando Moncau, explicou que o instituto não é contra os direitos dos autores, mas avalia que a proibição pode dificultar o acesso ao conteúdo criativo. Na avaliação do advogado, as leis neste sentido estariam se tornando cada vez mais rígidas: em 1973, por exemplo, era permitida a cópia de pequenos trechos e cópia integral sem fins lucrativos, hoje nem pequenos trechos de obras são permitidos. Moncau frisou que um professor que quisesse exibir conteúdo televisivo para seus alunos ‘muito dificilmente conseguiria retirar a gravação da set top box e levá-la para uma apresentação em sala de aula.’
O editor do programa também enfocou a produção de conteúdo de TV para telefones celulares e pediu a opinião de Nelson Hoineff. O jornalista avaliou que as emissoras desejam transmitir conteúdo via telefone móvel, mas não querem que outros também transmitam, como por exemplo, as operadoras de telefonia.
Hoineff explicou que existem hoje no Brasil em torno de 85 mil receptores de TV e cerca de 105 mil aparelhos de telefone celular, o que quase dobraria a base de telespectadores. As conseqüências imediatas da mobilidade seriam o acirramento da concorrência entre os produtores de conteúdo e a quebra do conceito de horário nobre, correspondente a 80% da receita das TVs, já que os consumidores teriam acesso ao conteúdo em qualquer horário e local.
Evolução tecnológica
Para Semeghini, as emissoras deveriam estudar a possibilidade de liberar parte de seus conteúdos para cópia. O deputado sugeriu que o sinal enviado pelos canais durante cada programa permita ou não a cópia. O presidente da comissão de Ciência e Tecnologia afirmou que a convergência digital irá obrigas as mídias – emissoras de TV, rádios, telefônicas, canais a cabo – a trabalharem em conjunto.
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Um presente envolto em mistérios
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 439, no ar em 23/10/2007
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
O debate sobre a TV Brasil está razoavelmente transparente. Já se sabe o que será ou não será o núcleo da Rede Pública. Mas no mesmo dia 2 de dezembro o telespectador brasileiro será brindado com outra novidade: o início das transmissões com sinal digital. E este presente ainda está muito obscuro, envolto em muitos mistérios.
Até agora nem o governo, nem os fabricantes, nem as emissoras de TV e demais fornecedores de conteúdo conseguiram esclarecer o cidadão-consumidor sobre o que vai acontecer na sua telinha.
Quanto vai custar o conversor? Os televisores que estão nas lojas já estão habilitados para a digitalização? Como é que ficarão aqueles que preferirem permanecer no sistema analógico? E o sistema digital será plenamente utilizado ou vamos utilizar apenas parte do potencial da nova tecnologia?
Esta falta de esclarecimentos tem uma razão: apesar de faltarem apenas 40 dias para o início da digitalização do sinal de TV, ainda não há definições. O governo está claramente dividido, o ministério das Comunicações quer uma coisa e o da Ciência e Tecnologia quer outra. As emissoras de TV têm interesses que confrontam radicalmente o que as entidades que defendem os consumidores acham correto.
Que tal um esclarecimento? É exatamente isso que pretende esta edição do Observatório da Imprensa.
Assista a um compacto do programa no site www.tvebrasil.com.br/observatorio ou em www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/videos
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Perfis dos participantes
Nelson Hoineff é jornalista, produtor e diretor de televisão. Dirigiu programas jornalísticos para as redes Manchete, SBT, Band, Cultura, TVE e Discovery. Especialista em novas tecnologias de TV. É presidente do Instituto de Estudos de Televisão (IETV).
Bruno Magrani é pesquisador e professor de Direito da Propriedade Intelectual no Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV. Graduou-se em direito na UFRJ e está concluindo o mestrado em Propriedade Intelectual no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual.
Julio Semeghini é deputado federal pelo PSDB-SP e está em seu terceiro mandato. Engenheiro eletrônico, atua há mais de 25 anos nos setores de informática e telecomunicações. Preside a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.
Luiz Fernando Moncau é advogado Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec. É responsável pelas áreas de telecomunicações e acesso ao conhecimento e está no instituto há mais de três anos. Estudou o mercado de telecomunicações e o impacto das regras de propriedade intelectual sobre o compartilhamento e acesso à informação.