Um senador precisava comprar a prenhez de uma vaca. Na linguagem comercial da pecuária, prenhez, sinônimo de gravidez, designa o que está ainda no ventre da vaca e será bezerro ou bezerra. Preço: 271 mil reais. A vaca estava numa fazenda da Universidade de Marília (SP). O rebento iria para uma fazenda que o senador tem em Luziânia (GO).
O senador não tinha o dinheiro e pediu um empréstimo de 300 mil reais ao dono de uma empresa aérea, seu amigo há quarenta anos. Este lhe deu um cheque do Banco do Brasil, no 2.231.155,60 reais, que foi descontado no Banco Regional de Brasília. Segundo o senador, o troco – 1.931.155,60 reais – foi devolvido ao emitente do cheque.
Outro senador – este, presidente do Senado – teve uma filha fora do casamento com uma jornalista. Pagava régia pensão àquela que em todos os pronunciamentos sobre o tema, um deles feito da cadeira presidencial do Senado, sempre chamou de ‘gestante’.
Desconfiados de tanto dinheiro – a pensão líquida paga à ‘gestante’ era superior aos rendimentos brutos de senador – os investigadores, a começar pelos policiais federais, quiseram saber a origem da dinheirama. O presidente do Senado apresentou notas fiscais da venda de bois!
O que os dois senadores não sabiam é que havia muitos bois na linha. Mas não na linha ferroviária, origem da expressão.
Versão latina
Boi na linha vem dos tempos da maria-fumaça. O povo brasileiro é criativo nas denominações: a locomotiva tinha nome próprio: Maria Fumaça. Que foi transformado em substantivo feminino e, claro, não pode ser escrito com as iniciais maiúsculas, pois não é mais nome próprio. (Em alguns lugares a maria-fumaça é masculino: diz-se ‘o maria-fumaça’).
Boi na linha era sério problema no Brasil quando Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, construiu, no Rio, a primeira estrada de ferro, inaugurada no dia 30 de abril de 1854. Não foram colocadas cercas nas laterais dos trilhos e por isso era comum que os bovinos atravessassem a linha ou até deitassem sobre os trilhos.
Ele faliu, mas encontrou seguidores. E no dia 30 de abril de 1884, na inauguração de novos trechos, em Petrópolis, disse:
‘Eu me orgulho de ter por continuadores da obra, que encetei, tão esforçados cavalheiros e faço votos para que o poder público, que tem o dever de proteger os esforços individuais que entendam com o progresso do país, lhes não regateie as concessões razoáveis e de que necessitem para conseguirem que a empresa preste novos e maiores serviços à zona produtiva que pode aproveitar-se com mais vantagem da via de comunicação que as condições naturais lhe asseguram, garantindo melhor a renda a que tem direito o capital empregado e a empregar’.
‘Tem boi na linha’ tem uma curiosa versão latina: ‘bovinus per lineam ambulat’, no caso de ele estar em movimento; e ‘bovinus in linea est’, se ele estiver parado; ou ainda ‘bovinus dormiens in linea’, quando o boi estiver dormindo sobre os trilhos; ou também ‘bovinus et vacca in linea copulabant’ (o boi e a vaca copulavam sobre os trilhos). Se bem que boi e vaca não demoram tanto para isso… E outra sutileza da pecuária: o boi não copula, quem copula é o touro, pois boi é o touro capado.
Bois empacados
Os ‘bois’ que estavam nas linhas – pois eram vários e estavam em diversas linhas, não mais férreas, mas telefônicas – descobriram coisas que, se reveladas, levariam a vaca pro brejo.
E foi o que aconteceu. O nome da vaca é Brasil. O Brasil está atolado numa inércia ou num torpor, como preferiu a revista inglesa The Economist, porque vacas e bois de senadores travaram o país.
E agora quem está ‘copulatum et male remuneratum’ é o povo brasileiro, principalmente aqueles cidadãos que dependem de leis e projetos que devem ser votados o mais breve possível.
Mais uma vez, no meio do ano, a vaca vai pro brejo, de onde precisa ser imediatamente retirada, pois os bezerros estão mugindo de fome. Ou, na feliz expressão de Guimarães Rosa ‘os bezerros mugemem’, que junta os verbos mugir e gemer, pois há dor na fome.
O cavalo foi o meio de transporte mais rápido até a invenção do trem. O Senado brasileiro, com tantos bois na linha, está mais lento do que qualquer maria-fumaça.
O que mais nos desconcerta, porém, é o motivo da vagareza: os bois não querem sair da linha e parece não haver força que os tire de onde estão. E o trem do Brasil segue emPACado.