Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tem gato na tuba

Nas chamadas de capa de suas entrevistas, a revista Caros Amigos anda zombando da inteligência do leitor – pelo menos do leitor com um mínimo de poder de análise. Primeiro foi a entrevista com a filósofa Marilena Chaui, para a qual a revista destacou na capa as seguintes palavras da professora: ‘A crise é uma invenção da mídia’. A entrevista em si são páginas e páginas de leréias teóricas que não dão conta de explicar os fatos mais elementares da atual crise política. Em vez disso, se apegam à batida tese da manifestação da luta de classes.

Os marxistas, claro, devem ter adorado, embora o alentado discurso da acadêmica da USP tenha passado ao largo de explicar os recordes sobre recordes no faturamento dos bancos durante o governo Lula – um dado da realidade, fundamental para acentuar o abismo entre as classes. Isso para não falar de dólares na cueca, caixa 2, nepotismo, mensalões e Land Rovers que as perguntas servidas na bandeja para a filósofa simplesmente ignoraram.

Agora vemos nas bancas a figura sempre confusa do senhor Mino Carta, apóstolo da revista CartaCapital, afirmando como se descobrisse a América que ‘a mídia está ligada ao dinheiro’. Novamente, ao ler-se a entrevista, percebe-se a embromação manipuladora, a mistificação da realidade, a rotulação simplista e superficial amparada por uma trajetória profissional nem sempre cumprida com êxito.

Mino Carta repete as pirotecnias verbais de seus pares simpáticos à esquerda, para os quais a imprensa brasileira ‘é uma das piores do mundo’, quem não é de esquerda é tucano, ‘o mensalão nunca existiu’ – ‘o que se provou é o caixa dois’ (sic) –, ‘a mídia está mais ligada ao mercado do que ao empresariado’ (sic novamente), entre outras idéias nebulosas.

Quando instado por Ricardo Kotscho a falar o que diria a Lula se jantasse com ele, contra-argumentou com uma pérola autopromocional: ‘Quem disse que não jantei com ele e não disse uma série de coisas?’ À insistência do repórter sobre que coisas falou ao presidente, simplesmente evadiu-se: ‘Não dá para contar’.

Diante de tantas idéias mal formuladas, a certa altura da entrevista a repórter Marina Amaral tentou organizar o caos das idéias de Mino: ‘Acho que ainda não deu para o leitor compreender direito de que maneira a mídia atua na crise, afinal’, perguntou a repórter, em tom de quase exaspero. E tome resposta evasiva.

Gente experiente e principalmente com senso de realidade, como o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, já havia escrito, em seu livro Mil dias, que ‘os intelectuais de esquerda resistem à evidência de que jornalismo é negócio e, com isso, retardam a adoção de práticas que poderiam melhorar a qualidade do produto final’. Em vista disso, verifica-se a escandalosa contradição em que incorre o criador do Jornal da República em sua fala – Jornal da República, aliás, que por sua breve história é prova cabal de que sem dinheiro não se faz um jornal nem se monta um quiosque de frutas.

Mino critica aquilo do qual vive correndo atrás, seja apoiando um governo mergulhado em grave crise e sem argumentos para explicá-la, seja promovendo eventos de fim de ano para empresários e para o próprio governo. A experiência do Jornal da República deve ter ensinado muito ao oriundi.

Mas, como manda o figurino da esquerda, ele mantém a pose de inimigo do capital. A expressão é corretíssima: pose. Porque a verdade é que sua revista está inserida no mercado e, mesmo que ele não admita, almeja superar os atuais 60 mil exemplares de tiragem. É preciso que alguém explique a Mino Carta que não há nenhum crime nisso.

Olhar crítico

Seu redator-chefe, Maurício Stycer, em entrevista a este jornalista em abril deste ano, parece ter sido mais sincero e claro ao explicar o papel de CartaCapital no mercado: ‘CartaCapital está completamente inserida no esquema. Não somos outsiders. Somos uma revista que faz parte do sistema, do mainstream. Estamos no mercado, não somos franco-atiradores. Consideramos a indústria cultural como uma coisa da realidade. Não somos contra ela. Entendemos o que ela representa, o que ela significa em termos econômicos, mas não aceitamos nos submeter a ela. Temos um olhar crítico, que é função do jornalismo. Temos um olhar crítico sobre qualquer coisa’.

Estamos diante do típico caso em que o pupilo suplanta o mestre. Mino Carta deveria olhar o discurso sensato e principalmente claro de seu empregado e rever seus conceitos. Olhar crítico, sim; a pluralidade é saudável. Hipocrisia, não. Não se pode negar peremptoriamente algo do qual, por dinheiro ou convicção, se faz parte.

Para usar uma expressão usada mais de uma vez por Mino Carta em sua entrevista à Caros Amigos, tem gato na tuba. Mino não apenas faz parte do mercado, não apenas corre atrás de dinheiro porque sabe que sua revista faz parte de uma indústria que, em última análise, visa o lucro, como critica duramente, até com certa crueldade, as empresas por que passou – notadamente a Editora Abril e o jornal O Estado de S. Paulo.

Esta é, aliás, uma prática comum entre jornalistas de esquerda. José Arbex Jr., por exemplo, articulista da própria Caros Amigos, alardeia aos quatro cantos que a Folha de S.Paulo faz parte da corrente manipuladora da imprensa burguesa. Folha da qual, por muitos anos, ele foi jornalista e correspondente internacional de prestígio e cuja experiência ele sempre cita com indisfarçável prazer em suas aulas e palestras.

O caso mais flagrante é o de Marilene Felinto, também da Caros Amigos. Na última edição da revista, ela afirma: ‘Se tem uma coisa da qual eu me envergonho hoje é ter assinado meu nome, por doze anos seguidos, na água lamacenta das páginas de certa imprensa paulista’. Veja o leitor que ela não disse doze dias, nem doze meses, mas doze anos. Não é difícil intuir que, não fossem aqueles doze anos chafurdando na água lamacenta a articulista não teria hoje uma página em Caros Amigos para destilar seu rancor e suas idéias delirantes.

Um pouco de coerência, senhores. Respeitem a inteligência do leitor.

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Jornalista e escritor