Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Terra Magazine


COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
Paulo Nassar


Memória e esquecimento, 17/03/07


‘A memória de uma organização, alojada em um endereço da Internet é uma de
muitas possibilidades de trabalho e pesquisa em comunicação empresarial digital:
um lugar multidimensional sem centro, sem comando, sem controle, sem nortes
magnéticos, sem emissores, sem receptores. Apenas um lugar recheado de conteúdo
relacionado à história de uma empresa ou instituição, que só existe e se
legitima pela colaboração dos transeuntes assíduos dessa infoesfera de memória.
Aqueles que, de alguma forma, e a partir de experiências, registram traços da
reputação das organizações ao se relacionarem com a empresa ou instituição por
meio de seus produtos, seus empregados, líderes ou ainda, por meio de vivências
nas quais presenciaram o comportamento e atitude da organização.


No Museu da Pessoa , instituição sediada em São Paulo e com ramificações em
Portugal, Estados Unidos e Canadá, e no Overmundo, dirigido pelo antropólogo
Hermano Vianna, provamos o fel e o mel da memória de marcas, de origem digital
do mundo das empresas e de milhares originadas nas ruas das cidades. No site do
Museu da Pessoa é possível entrar em esferas de memória de empresas como
Petrobras, que guarda lembranças de centenas de seus trabalhadores, mais do que
depoimentos de vida, são as ‘madeleines’ digitais da reputação da empresa.


O filósofo francês Henri Bergson, professor de Proust, dizia que a
imagem-lembrança, que vem espontaneamente à mente quando nossos sentidos
esbarram em expressões organizacionais (arquitetura, marca, produto, empregado e
outras) é a memória-pura. No jargão jornalístico, seria a memória não editada e
bruta. O gosto de um desses ‘biscoitos curtos e rechonchudos, chamados
madeleine’, o detonador das memórias do narrador de ‘No caminho de Swann’, de
Proust.


Navegam pela Internet bilhões de informações que constituem a memória
espontânea sobre as organizações. Elas são fundamentais na história da empresa e
são possíveis por causa das novíssimas mídias digitais, cada dia mais portáteis,
baratas, convenientes e interativas. A Web 2.0, por meio dos softwares que
permitem a edição colaborativa, coletiva, comunitária, de conteúdos, reforça a
interatividade dos usuários e é elemento-chave para se entender o desafio atual
da comunicação empresarial, acomodada no enquadramento do mecanicismo da
esgotada revolução industrial.


Primo Levi, ao descrever os crimes contra judeus, em Auschwitz, alertou que a
memória pode ser apagada, falsificada e modificada. No mundo das empresas existe
uma gigantesca engenharia do esquecimento, descaso, muitas vezes, de
jornalistas, relações-públicas, publicitários e administradores, gente
comprometida com o extermínio da memória, míope que não vê nenhuma serventia na
memória proustiana, que constrói e mantém boas reputações. Mas felizmente ainda
muita gente boa continua a tomar chá com direito às
madeleines.’




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