O jornalista Ali Kamel está feliz. É o que se depreende de seu artigo Dias Felizes, publicado O Globo (4/9).
Menciona o acolhimento pelo STF (Supremo Tribunal Federal) da denúncia do Ministério Público contra os 40 acusados do mensalão. Depois, passa pela questão das fotos que o Globo publicou das mensagens reservadas dos ministros do STF; pela conversa telefônica do Ministro que a Folha registrou. E se considera vingado.
Vingado de quê? Dos ‘setores antidemocráticos e autoritários que criticaram meu último artigo’, aquele que falava do ‘testando hipóteses’… sobre o acidente da TAM. Tenho certeza de que todos os juízes do STF pensaram no Kamel ao proferir seu voto. Mas não imaginava que a solidariedade tivesse chegado a tanto.
Pelo teor do artigo, Kamel está firmemente convencido que ‘o jornalismo sou eu (ele)’, todas as críticas contra ele são críticas contra a liberdade de imprensa, e todas as decisões do Supremo tiveram como motivação reparar os ataques profundamente injustos que o jornalismo (ele) recebeu por sua tese de ‘testar hipóteses’, em outro caso que nada tinha a ver com o ‘mensalão’.
O problema do Kamel é que nas explicações para o ‘testando hipóteses’ ele continua brigando com o jornalismo. E como o jornalismo é ele, cria um ambiente algo esquizofrênico.
Insiste que, no caso do acidente da TAM, todas as hipóteses foram testadas ‘simultaneamente’. Imagino como deveriam ter sido as manchetes para retratar hipóteses simultâneas: ‘Pista escorregadio ou falta de grooving ou problema dos controladores ou reverso pinado ou falha do piloto ou a avó do Lula foram responsáveis pelo acidente com o avião da TAM. SMJ (salvo melhor juízo)’.
Idéia fixa
Conversei com jornalistas e assessores que cobriram o acidente. Na primeira entrevista do presidente da TAM foi mencionado o problema do reverso. A questão é que os repórteres só estavam interessados em levantar hipóteses relacionadas com a pista recém-reformada. Não davam ouvidos a mais nada. E porque isso? Porque saíam das redações com a incumbência de testar apenas uma hipótese – a hipótese Kamel, graças ao poder de orquestração do Jornal Nacional.
É por isso que, nas coletivas, as únicas perguntas pertinentes eram de publicações especializadas em aeronáutica.
Repetiu-se o comportamento no episódio dos cubanos que desertaram. A ‘hipótese Kamel’ é que foram seqüestrados pela polícia brasileira e deportados. Não foi por acaso que a melhor matéria sobre o tema foi do jornal Extra – que pertence às Organizações Globo, mas não está sob a orientação de Kamel. E a melhor matéria sobre a caixa-preta do avião da TAM foi da Época – que também pertence à Globo, mas não está debaixo do Kamel.
É evidente que existe uma disfunção no estilo Kamel de padronização da cobertura na Globo. Se a intenção foi uniformizar a cobertura ou fazer patrulhamento, pouco importa. O problema é que notícia não é opinião. Ele pode ‘ensinar’ todos os jornalistas das Organizações Globo como mencionar dados do IBGE. Mas não pode definir, a partir do aquário, como os fatos deverão ser cobertos. Com seu estilo, jogou para segundo plano a sensibilidade da reportagem, os inputs que os repórteres poderiam trazer da rua, em contato direto com os fatos, caso fossem para a cobertura com a cabeça aberta para todas as informações.
O fator Kamel atropelou princípios básicos de apuração jornalística, deformou a cobertura, constrangeu repórteres. E recebeu, como resultado, ‘barrigas’ sucessivas. A hipótese definitiva, no caso TAM, só surgiu com a divulgação da caixa-preta.
Para encerrar com chave de ouro esse festival, só faltava esse artigo, no qual Kamel se apresenta como vítima dos ‘setores antidemocráticos e autoritários’. Certamente julga os critérios jornalísticos muito autoritários, e em breve defenderá sua flexibilização.
Felizmente, teve sua reputação salva pelo STF, que tomou a decisão de acatar as denúncias contra o ‘mensalão’. Certamente em desagravo ao Kamel.
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Jornalista