Que tipo de roupa vamos encontrar nas lojas para usar no inverno: justas ou folgadas, longas ou curtas, estampadas ou lisas, simples ou complicadas?
É para essa pergunta que as leitoras (e leitores) esperam resposta ao abrir jornais e revistas da semana que dedicam páginas e mais páginas à Semana de Moda, ou melhor, à Fashion Week. Afinal, se a imprensa tem a função de informar e se os desfiles revelam as tendências da moda na próxima estação, é justo supor que os segredos dos estilistas serão revelados.
Mas a verdade é que é preciso ser um iniciado para decifrar o código de alguns jornalistas especializados quando descrevem o mundo dos desfiles. Abaixo, alguns exemplos selecionados na cobertura da Semana de Moda de São Paulo feita pelo Estado de S.Paulo:
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‘Looks confortáveis, de algodão e seda, trazem elementos desse universo indígena, arrematados por espelhos, correntes e piercings’;**
‘Suas bóias-frias fashion salvaram a lavoura’;**
‘Versão futurista-chic de guerrilheiros da contracultura’;**
‘A coleção busca referências na era eduardiana e salta para o futuro punk da terra de Mad Max… mesclando a couture da começo do século 20 com a agressividade do mundo apocalíptico’;**
‘Fina e chique, mas sem o ranço burguês tão óbvio desses momentos’.Perda de função
A opção da Folha de S.Paulo foi por um texto menos complicado, mas que nem por isso se libera do tom ‘fashion’:
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‘Nas roupas, modelagens amplas, com quimonos, uniformes, leggings, vestidos soltos e macacões. As estampas viajaram da China de Mao Tsé-tung à pirataria de CDs, passando pelos sapatos (originais ou não), um dos produtos-fetiche da indústria de moda chinesa, que tanto têm causado problemas ao mercado brasileiro. Acabamentos impecáveis e grande riqueza das idéias completam o quadro desenhado por Fraga, que foi do simples desejo fashion à política, sem chatice e com muito conteúdo’;**
‘Já Alexandre Herchcovitch, com seus adoráveis homens das neves, mostrou mais uma vez a força de seu streetwear inventivo e divertido, criando um inverno pop nos pólos. A coleção é formada por uma série de roupas em pelúcia, que apareceu nos detalhes dos ótimos capuzes com a parte traseira, em golas, coletes e até mesmo compondo looks inteiros com casaco e calça peluda’.O semanário Veja preferiu fazer uma matéria mais tradicional, com uma estilista tradicional, mostrando por que, com suas roupas clássicas, ela faz sucesso há 30 anos. Deixou o estilo fashion para seu portal, mas fez o que se esperava dos jornais na cobertura diária: anunciou as tendências que os consumidores vão encontrar nas lojas a partir de agora, falando das cores e dos acessórios. Um bom exemplo de serviço que os jornais deveriam adotar, pelo menos nas legendas de fotos.
Nos jornais, até a velha e boa legenda parece ter perdido a função quando se fala em moda. Em vez de aproveitar o reduzido espaço para explicar as roupas aos leitores, o que se viu foram duas ou três palavras que podem até resumir a roupa, mas deixam de informar. Exemplos: ‘Vestidos colunas, ‘Silhueta baloné’, ‘Traçado de Niemeyer’, ‘Saco de lixo preto’ ou ‘Pára-quedas’, sem uma palavra a mais.
Puro marketing?
A pergunta que o leitor deve fazer é a quem interessa esse tipo de matéria? Deve interessar – e muito – aos estilistas que, a cada nova temporada, recebem mais afagos em seus egos criativos: ‘Palmas para a rainha’, trombeteava a matéria sobre uma estilista. De outro, fala que apresentou uma ‘coleção forte’. Um dos jornais mencionava um costureiro:
‘No backstage, apostava: é o que vocês vão ver agora em fevereiro em Paris. Modéstia à parte, a coleção trouxe à abertura do evento um verdadeiro sopro de moda’.
Esta frase talvez explique a causa da preferência por termos estrangeiros e linguagem cifrada. Se apenas um estilista traz um ‘sopro de moda’ em uma semana inteira de desfile, o que os outros estão fazendo lá? Apenas marketing?
Se é apenas de marketing, cabe à imprensa mostrar esse aspecto da moda e deixar claro aos leitores que é por isso que o cenário dos desfiles, a presença de celebridades e as fofocas de camarim (o tão falado backstage) são o grande destaque, ano após ano, das coberturas do evento denominado Fashion Week. A roupa mostrada, no fundo, parece ser apenas um elemento a mais.
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Jornalista