Por onde andará aquele feroz zelo investigativo da mídia brasileira dos anos 90? Por aqui, no tempo da ‘velha senhora‘ (como se diria carinhosamente em Angola a propósito da antiga metrópole), ela partiu de uma viagem de jatinho a Fernando de Noronha para derrubar um ministro do Desenvolvimento paulista, homem de prontuário de outro modo impecável. Hoje ela dormita diante de uma teia de mordomias mais nociva. Refiro-me ao caso Varig, uma empresa que sempre se valeu de privilégios, influências nos corredores do poder federal e nacionalismo superficial para garantir torcida, linhas de crédito soft, exclusividade de rotas, blindagem contra entrada massiva no Brasil de vôos charters etc.
O chefe da Casa Civil de Juscelino Kubitscheck enquanto no cargo teve da Varig cartão com direito a requisitar, ‘free of charge‘, passagens para duas pessoas para qualquer lugar no mundo. Mas isso nos anos 50 era considerado boa administração de relações públicas.
Na semana em que se comemora 50 anos da morte de Getúlio Vargas vem a propósito tratar do outro caudilho gaúcho.
Não se pretende aqui disputar a singular contribuição de ambos para a economia brasileira, mas é chegada a hora de reciclar a compreensão dos fenômenos. Com mão de ferro Getúlio moldou uma sociedade industrial a partir do barro de um Brasil-fazendão que tinha o café quase produto único na pauta de exportação — commodity micada pelo crack da Bolsa de NY, em 1929 —, em que os cargos públicos eram atribuídos por apadrinhamento, que importava todo quilo de ferro de seu consumo.
Tampouco se cometeria a injustiça de ignorar a competência aérea gaúcha, capaz de em seis décadas ir do Junkers de nove assentos ligando Pelotas a Porto Alegre, ao Jumbo de 400 passageiros embarcados em alguma capital brasileira e apeando em Hong Kong, New York, Moscou etc. Operar 87% do tráfego aéreo internacional brasileiro naturalmente exige administração, disciplina, vanguarda tecnológica.
Foi-se, porém o tempo do embasbacamento da sociedade brasileira diante da figura patriarcal, do ‘Pai dos Pobres’, do típico autoritário no mundo de Hitler, Stalin, Salazar, Perón e Franco. Já deveria ter se ida também nossa admiração acrítica diante da grande empresa apenas porque ela fala inglês e tem loja no Champs Elysée. Está na hora de repensar a ofuscação que o internacional exerce sobre a maioria dos brasileiros.
É mais do que tempo de se rever o papel da Viação Riograndense. Atolada em dívidas, a Varig transformou-se num viciado da ‘clinica de drogados BNDES’, já não vive sem empréstimos massivos, toma-os para encher seus tanques, para pagar juros a outros credores, para a folha de salários.
O governo Lula ofereceu saídas: fusão com a TAM, mas a Fundação Rubem Berta, intoxicada pela memória de um glorioso passado, seguiu de salto-alto, dá à Varig o abraço do urso e impede a consolidação.
O país seguiu adiante apagando outras fogueiras.
Hoje a nação apieda-se do melancólico final que ronda a transportadora ao invés de reagir friamente. Frio deveria ser o senhor Carlos Lessa, presidente do BNDES, mas ele não abre mão do nacionalismo-desenvolvimentista do Brasil anos 50, tempo de Vargas.
Sofisma-se à vontade ultimamente. Invoca-se o Proer como se uma questão localizada de transporte aéreo se comparasse ao perigo de desorganização de todo o sistema bancário nacional, este sim de efeito dominó. Fazem-se correntes positivas torcendo para que o Superior Tribunal de Justiça dê ganho à Varig na questão bilionária do congelamento de tarifas – como se apenas bilhetes aéreos houvessem sido congelados, como se o contribuinte não pagasse a conta.
Tenhamos coragem de virar a página do nacionalismo-desenvolvimentista que teve seu mérito, mas hoje só desenvolve meia dúzia.
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Diretor do Instituto Afranio Affonso Ferreira; e-mail: xikito@bahepar.com.br