A morte do jogador Serginho, do São Caetano, foi assunto permanente na imprensa brasileira. Em todos os canais de televisão, emissoras de rádio, sites da internet – e provavelmente na capa das revistas – viu-se o triste acontecimento destacado.
Porém, tão triste quanto a morte do jogador foi o comportamento de parte da imprensa brasileira. Repentinamente, o desfibrilador tornou-se o termo ‘da moda’, tratado como o aparelho que salvaria a vida do zagueiro. Quem pode afirmar isto com segurança é o médico cardiologista, que convive com situações semelhantes diariamente. Além de ser o profissional que, como se diz no jargão imortalizado pelo inesquecível Osmar Santos, é o ‘pai da matéria’. Faltou alguém explicar isso ao jornalista José Luiz Datena, agora no comando do programa Esporte Total, da Rede Bandeirantes.
Na ânsia de encontrar os ‘culpados’ pela morte do jogador, Datena tentava impor sua opinião justamente com um profissional gabaritado para elucidar as dúvidas referentes à cardiologia. O cardilogista presente ao programa esportivo do dia 28 tentava explicar os procedimentos adequados para emergência nestes casos. Tentava, pois era interrompido grosseiramente pelo âncora do programa, com ares de ‘dono da verdade’, gritando e babando contra dirigentes, médicos, times, hospital, ambulância… ou seja, tudo o que foi feito, os profissionais envolvidos, tudo, enfim, não presta, assim como o Brasil. Nem mesmo o São Paulo FC, incensado pela imprensa esportiva paulistana como ‘clube de estrutura de Primeiro Mundo’, escapou do bombardeio.
Mesmice
Nos outros programas, se houve sensatez em ouvir médicos, apelou-se para a manchete sensacionalista. A Rede Record, no programa Tudo a ver, de Paulo Henrique Amorim, exibia nos letreiros ‘morte de Serginho é destaque internacional’. Que casos assim repercutem no mundo, nada a contestar; basta lembrar das mortes do camaronês Foe e do húngaro Fehér ocorridas recentemente. O problema todo é a palavra ‘destaque’, rememorando o conceito de ‘sentimento vira-lata’ proposto por Nélson Rodrigues: é o Brasil se mostrando ao mundo, o Brasil é ‘destaque’ internacional.
Estranho como certos setores da imprensa adotam este termo. O Jornal Nacional, com o tempo reduzido por conta da propaganda eleitoral (e, por isso mesmo, mais objetivo e conciso; deveria permanecer assim), fez uma cobertura sóbria, com depoimentos dos profissionais, com o gráfico demonstrando como ocorreu o problema cardíaco do jogador e esclarecendo o que é o tal desfibrilador.
A imprensa esportiva, tão acostumada às abobrinhas e à promoção de pernas-de-pau a craques, fará reportagens especiais sobre a estrutura dos estádios brasileiros. Oportunista como sempre e em tons ‘bombásticos’, ‘denunciarão’ que os estádios brasileiros, em sua quase totalidade, representam perigo para torcedores, jogadores e profissionais que freqüentam tais espaços, e que nem o desacreditado Código do Torcedor conseguiu algo significativo para sua melhoria. Basta observar que toda semana o Supremo Tribunal de Justiça Desportiva julga casos relacionados à segurança de estádios, desde a acanhada Vila Belmiro ao ultramoderno estádio do Atlético-PR.
A morte do Serginho ainda ressoará por algum tempo, mas depois será esquecida. Como será esquecido, também, o aparelho que os ‘médicos-cronistas-esportivos’ adotaram, o desfibrilador. Logo tudo voltará à ‘normalidade’: as ambulâncias nos estádios servirão apenas como mais uma placa de publicidade, a estrutura do estádio será descartada para a promoção do próximo perna-de-pau aspirante a craque. E tome reportagens sobre o penteado do jogador, suas habilidades no violão, a unha do dedão responsável pela contusão… afinal, esta é a imprensa esportiva, que também gosta de uma desgraça de vez em quando, para escapar à mesmice das ‘mesas-redondas’.
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Professor, Salvador