Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Todos querem ser ouvidos. E lidos

A revista Lola (Ano 2, número 16, janeiro de 2012) que está nas bancas não deu chamada de capa à sua melhor matéria: uma entrevista de várias páginas concedida pela romancista e psicanalista Betty Milan a Luciana Ackermann, com fotos de Pablo Saborido.

Há quatro anos a escritora faz na Veja online uma coluna que periodicamente é publicada também na versão impressa da Veja. Uma seleção dos textos foi reunida no livro Quem Ama Escuta (Editora Record, 413 págs., R$ 42,90). Tanto na abordagem dos temas que lhe chegam dos leitores quanto no modo de sobre eles discorrer, a autora abandona o caminho já previsível dos aconselhamentos de autoajuda e busca entender os problemas à luz do curso de Medicina e dos anos em que foi aluna, analisanda e amiga de Jacques Lacan. Prosadora de talento que é, a ficcionista recorre à intuição para conversar com os consulentes/leitores nas mais de 200 colunas, das quais selecionou apenas 56.

História universal

Graças a perguntas bem objetivas, ela explica os bastidores em seu “Consultório Sentimental”, título, aliás, muito bem escolhido, pois o que vem à tona é o sentimento do consulente, atormentado por problemas para os quais a solução vai depender de que tenham sido corretamente formulados e isso a vítima ou a paciente, como quer que seja denominada, não faz, e é por isso que, sem ajuda de um especialista, não sairá do atoleiro em que se meteu ou daquele em que pensa estar metida, o que dá quase no mesmo.

Betty vai direto ao ponto: “Procuro encontrar, por meio da literatura, da psicanálise e da filosofia, uma referência que torna aquela história singular universal. Observo as palavras dos leitores, a maneira como se expressam, as repetições”.

Como sabemos, a posta-restante da mídia nem sempre está entregue a pessoas que têm o devido discernimento para selecionar as cartas a publicar. Elas são importantes, ainda mais depois que a internet facilitou que correspondências transformadas em mensagens eletrônicas inundassem as redações. E representam um termômetro, um sismógrafo ou qualquer outra medida para averiguar tendências.

Conquanto reconheça problemas que afetam levas coletivas de angustiados, a escritora ressalta: “Cada caso é único”. E de algum modo insurge-se contra generalizações, tão comuns em atendimentos semelhantes, ao sublinhar que “quem tem formação analítica não pode fazer isso [generalizar] porque sabe que nunca vai encontrar a verdade.”

À pergunta se “a solidão não torna as mulheres mais crédulas e, portanto, mais sensíveis ao dom-juanismo”, Betty Milan é taxativa: “Não faço essa associação, não! Acho que a credulidade feminina está mais ligada a certo masoquismo relacionado à educação feminina, na qual suportam a dor sem se queixar”.

A entrevista ganhou por acidente um belo complemento. A também romancista Patrícia Melo diz nas páginas finais: “Quando você retira todas as superfícies, quando você olha dentro da coisa, o que resta é o terror. Foi para curar essa coisa que inventaram a literatura.”

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[Deonísio da Silva é escritor, doutor em letras pela USP, professor e vice-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro]