As rádios comunitárias continuam recebendo tratamento desigual dos poderes públicos, enquanto as emissoras comerciais são tratadas com benevolência. Para José Luiz do Nascimento Sóter, presidente da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), isso se dá porque ‘há sempre dois pesos e duas medidas no trato da radiodifusão. As rádios comunitárias são tratadas como um empecilho às rádios comerciais, e sofrem todas as intransigências possíveis por isso’.
Exemplo do tratamento diferenciado, citado por Sóter, diz respeito ao consentimento do Ministério das Comunicações (Minicom) para as rádios comerciais operarem sem a renovação da outorga. Segundo levantamento da Abraço/RS, 204 rádios comerciais operam ilegalmente no estado. Dessas, 24 operam nos municípios de Pelotas e de Santa Maria e região.
No município de Santa Maria, em decorrência de uma denúncia feita pelo dirigente da associação que mantém a rádio comunitária Integração FM, a representação do Ministério Público Federal no município questionou o Minicom quanto à permissão dada às emissoras para funcionar indevidamente. Denúncia semelhante foi feita pela emissora comunitária Líder FM de Pelotas, relativamente às emissoras comerciais locais. Em resposta, o Minicom argumentou que a concordância do órgão com a situação de irregularidade das 13 emissoras da região de Santa Maria (9 em Santa Maria, 2 em Júlio de Castilhos e 2 em Santiago) e das 11 do município de Pelotas é provisória e ‘visa proteger o interesse público, evitando privar o cidadão do direito à informação’.
Ainda segundo o Minicom, ‘há que se considerar que, mesmo tendo realizado o pedido de renovação de outorgas intempestivamente’, as entidades ao manifestarem o interesse em continuar prestando o serviço de radiodifusão merecem ter o seu processo analisado. Para Sóter, essa postura ‘é de quem tem um lado a defender. Eles fazem vistas grossas às irregularidades das rádios comerciais e caçam com lupa as vírgulas e os pontos divergentes que venham causar qualquer mal-entendido num processo de um rádio comunitária’.
Parceria com rádio comunitária é questionada
No município de Bagé/RS, a Rádio Sinttonia FM, da Associação Pró-Rádio Difusão Comunitária do Bairro Camillo Gomes, é mais um exemplo das dificuldades enfrentadas pelas comunitárias (saiba mais sobre a emissora aqui). A entidade entrou com o requerimento para concessão de outorga em 1998, mas desde 2003 opera através de liminares. Nesse tempo já foi lacrada cinco vezes e sofreu a apreensão dos seus equipamentos. ‘Estamos completando neste ano, dez anos de descaso, de falta de respeito com o cidadão’, diz o diretor da emissora, Danúbio Barcelos.
A Sinttonia FM foi a primeira no estado a veicular o programa Prosa Rural (confira o programa aqui) em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A veiculação semanal do programa, produzido pela Embrapa e abordando questões do campo, ‘consolidou a nossa rádio como um importante canal da Embrapa com a população. Recebemos inclusive um certificado da Embrapa por isso’, afirma Barcelos.
Entretanto, a atitude da Embrapa foi questionada pela representação do Ministério Público Federal em Bagé, que indagou à empresa sobre as suas relações com a rádio Sinttonia FM. Procurada pelo e-Fórum, a Embrapa preferiu não se manifestar. De acordo com o presidente da Abraço, a situação vivida pela Sinttonia FM reforça as contradições entre os tratamentos dados às rádios comunitárias e às comerciais, uma vez que visa intimidar futuras parcerias de órgãos públicos e empresas com as emissoras de caráter tipicamente comunitário. Ao mesmo tempo as emissoras comerciais obtêm autorização para continuarem funcionando, mesmo em situação irregular, porque estariam ‘servindo à comunidade’.
Obtenção de outorgas ainda enfrenta obstáculos
Destacando entre os principais obstáculos enfrentados pelas rádios comunitárias, Sóter assinala a falta de clareza do Minicom nos critérios de escolha para conceder as outorgas. Segundo o dirigente muitas vezes uma rádio realmente comunitária é preterida por outras ‘utilizadas por igrejas que apresentam uma lista de fiéis como apoiadores. Fiéis que podem nem saber ao certo o que estão assinando’, afirma.
A extensa documentação exigida para regularização das emissoras, o alto custo dos equipamentos, a rigidez das especificações técnicas, contidas na Lei 9.612/98 que institui a radiodifusão comunitária, somados à morosidade na análise dos pedidos de concessão são outras barreiras apontadas por Sóter. Em julho desse ano o Governo Federal divulgou que estuda propostas para agilizar o processo (leia aqui). Até agora, no entanto, nenhuma nova medida foi anunciada.
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Da Redação FNDC