Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tropa das elites

As pesquisas em Comunicação discutem há algum tempo os efeitos das comunicações de massa. Com certeza, uma das contribuições mais utilizadas nos estudos na área é a hipótese do agenda-setting. Tal teoria fala sobre a maneira como a mídia, entendida aqui em sua totalidade (jornais, revistas, televisão, cinema, publicidade etc.), é capaz de influir nos assuntos discutidos pela sociedade.

No ano passado, o filme Tropa de Elite, do cineasta José Padilha, causou um reboliço. Ganhador de prêmios e quebrando recordes, a obra ganhou muito espaço nos meios de comunicação, que repercutiam exaustivamente os louros colhidos pela equipe de produção. No entanto, um tema foi excluído da agenda da imprensa – exceto pela posição de alguns articulistas. A maneira como Tropa de Elite tornava a ação truculenta e despreparada de policiais que ‘subiam o morro pra deixar corpo no chão’.

Aqueles que não conhecem a história, devem ser alertados de que o herói do filme é um policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro chamado de capitão Nascimento. A trama se desenvolve na procura do protagonista em achar um substituto para a chefia. Nesse trabalho, o personagem, interpretado por Wagner Moura, entra nas favelas matando e utilizando métodos de tortura contra os criminosos, suspeitos ou culpados.

Uma estranha ética

É indiscutível que o filme foi sucesso de público, quem sabe um dos mais vistos – contabilizadas as cópias piratas – da história do cinema nacional. Existem relatos de que ao final das exibições de estréia no cinema, o público gritava ‘caveira’, o símbolo do Bope. Tropa de Elite reavivou uma demanda antiga da sociedade brasileira, um pensamento que deseja uma polícia pronta para matar pobres e negros, pois seriam eles as ‘ervas daninhas’ do país, um renascimento do Esquadrão da Morte.

Esse tipo de tática de policiamento, que mantém tropas para isolar as periferias das grandes cidades, que foram regularmente sufocadas pela expansão dos condomínios de luxo, funciona como um cordão sanitário com o intuito de manter os traficantes, e não os produtos por estes comercializados, longe do asfalto. Esse comportamento é valorizado por nossas elites, quando voltado para os pobres.

A capacidade da mídia em criar modelos de comportamento pode ser comprovada nos efeitos que condenam jovens à anorexia e a outras deformações do corpo, por meio de anabolizantes ou remédios para emagrecer. Tropa de Elite elevou à condição de ídolo um policial que mata e tortura, em prol de uma estranha ética e de uma razão que parece, de acordo com o filme, ser justificada em si mesma.

O morro e o asfalto

Quais os efeitos dessa forma de narrar o cotidiano na criação de modelos de comportamento? É claro que não se pretende defender que pessoas normais vão metralhar outras em nome do bem comum – apesar de apoiarem que as instituições que possuem o monopólio da violência legítima façam isso. No entanto, é possível que essa adoração influencie o comportamento de policiais espalhados pelo Brasil?

Há poucos dias, o menino João Roberto Amorim Soares, de apenas três anos de idade, foi assassinado por policiais que participavam da perseguição de um carro do mesmo modelo, que a mãe da criança dirigia. Os dados da perícia e as imagens de um circuito interno de segurança de um prédio próximo confirmam a truculência com que a PM carioca agiu. Foram disparados, pelo menos, 16 tiros contra o automóvel.

Vítima de um seqüestro-relâmpago, Luiz Carlos da Costa, de 36 anos, foi assassinado no fim da noite de segunda-feira, dia 14, no Rio de Janeiro. O alarmante do fato é que quem matou o rapaz foi a própria polícia, numa perseguição em que os policiais dispararam contra o carro e acabaram acertando Luiz.

Estes eventos, que distam oito dias um do outro, refletem exatamente a forma como a Tropa de Elite e o capitão Nascimento agem, mas na favela. Quando os tiros disparados acertam pessoas que habitam o asfalto, os policiais viram bandidos, monstros e despreparados. É claro que estão errados os que matam na favela e os que matam no ‘asfalto’, são ambos policiais que recorrem a violência como recurso no combate à criminalidade.

Padrões de comportamento

O que os fatos trazem à tona é a forma como o modelo Tropa de Elite é evidenciado nos dois casos. Truculências, tiros, mortes, tudo para garantir a segurança. O filme parece criar um padrão de comportamento entre os policiais, que assistiram o capitão Nascimento virar herói. É mais uma vez a mídia criando modelos e estereótipos, para o bem ou para o mal.

Mais uma vez, as páginas editoriais dos meios de comunicação não trataram em momento algum desta hipótese aqui colocada. As discussões se limitaram a expor falhas e erros no preparo das polícias brasileiras. Apesar desta pauta ser importante, a imprensa omite-se de um debate importante e sonega da sociedade visões diferentes de um mesmo fato.

Compete à imprensa ser crítica em relação àquelas cenas do filme de José Padilha. No entanto, as reportagens e matérias serviram como tribuna para que o diretor afirmasse que seu filme não era fascista e que não espetacularizava a violência policial. Desta maneira, os meios de comunicação contribuíram para a formação no Brasil de uma Tropa das Elites que pode matar, torturar e exterminar aqueles que estão nas favelas. E insiste em ignorar o fato de que existe uma ‘tropa de elite’ que elege padrões de comportamento e influência policiais a agirem sem respeito à vida humana, tanto no morro quanto nos condomínios de luxo.

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Estudante de Comunicação Social do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Brasília, DF