Saiu na mídia de todo o País. O Tusca, sigla da Taça Universitária de São Carlos, faz a maior festa universitária do Brasil, chegando a reunir 50.000 pessoas. Oferece também um evento poliesportivo, com futebol, futsal, natação, vôlei etc.
Ocorreram acontecimentos gravíssimos nessa festa. É preciso rever, não apenas o modo como é realizado o evento, mas por que razão as providências tomadas não interromperam os exageros que levam a mortes.
Bebidas alcoólicas podem trazer-nos alegria e saudável convívio, mas, a depender do contexto, tornam-se um ingrediente perigoso quando tomadas em exagero. Contudo milhares de pessoas morriam e continuam a morrer atropeladas no trânsito todos os anos, muito antes que existisse o Tusca, que não pode ser responsabilizado pelo que tem havido.
Mortes bestas
Ouvi, vi e li que a causa geral dos transtornos é uma bebida, mistura de caju com cachaça que o Tusca oferece gratuitamente num barril. Ora, numa pequena cidade do Rio Grande do Sul há um tradicional festejo sobre o qual já escrevi uma crônica intitulada “A pipa é pública”.A prefeitura oferece vinho a todos. Naturalmente, os pais cuidam que as crianças não bebam. Adultos e jovens bebem vinho de graça e no fim do dia todos voltam para suas casas. O vinho não produz arruaça alguma. Nem eles.
Alguns participantes do Tusca, não o Tusca, oferecem espetáculos deprimentes, de envergonhar a qualquer um. Em anos anteriores, não foram poucos os que viram estudantes bêbados, alguns em coma alcoólico, deitados sobre vômitos, urina e até mais.
Algumas mortes já se tornaram uma triste memória. Ano passado, um estudante de apenas 21 anos foi encontrado morto no córrego ladeado pela Avenida Trabalhador São-carlense. Ele era aluno da Escola Politécnica da USP e participava da 31ª edição do Tusca.
O Tusca deste ano trouxe mais duas mortes. Um estudante de 23 anos, do Colégio La Salle, morreu atropelado por um caminhão que levava bebidas para a festa. E uma senhora de 83 anos foi atropelada por outro estudante bêbado que também participava do Tusca.
Contexto perigoso
No Rio, apesar da Lei Seca, um estudante de Direito, bêbado, sequestrou um ônibus e foi da Barra da Tijuca a Copacabana. Bateu em vários carros e fez um deles capotar. Cerca de 15 câmeras instaladas para cobrar multas filmaram sua passagem, mas não serviram para alertar as autoridades.
Ronaldinho Gaúcho mora numa casa de R$ 8 milhões, na Barra Tijuca. Suas festas terminam às 6h da manhã. Diversos vizinhos querem expulsá-lo do condomínio porque ele não deixa ninguém dormir e eles precisam trabalhar.
Recentemente a Academia Brasileira de Letras homenageou Ronaldinho, que nunca escreveu livro algum. Na solenidade, ele declarou também que nunca leu nenhum.
São acontecimentos entrelaçados. Não se trata de punir, esta não é função da mídia, mas convém chamar a atenção do público para os usos e costumes de nossos jovens e como as instituições atuam para valorizar o quê. Algo há de ser feito para mudar. Já há muitos mortos no caminho.
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[Deonísio da Silva é escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor e um dos vice-reitores da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro; autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)]