Leia abaixo a seleção de quinta-feira para a seção Entre Aspas.
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O Estado de S. Paulo
Quinta-feira, 29 de novembro de 2007
LULA QUER FALAR
Globo diz que recusou entrevista
‘A TV Globo confirmou em nota que recusou uma entrevista com o presidente Lula, oferecida pela Presidência, para ser veiculada esta semana. Segundo a nota, depois que o convite foi feito, a Globo fez algumas ponderações.
A primeira é que Lula acabara de dar entrevista de três páginas ao jornal O Globo e praticamente todos os assuntos relevantes para a emissora foram abordados.
A segunda foi formal: ‘A TV Globo entende que os termos de uma entrevista devem ser discutidos pelas partes previamente, o que não foi feito.’ A nota acrescenta que a emissora manifestou interesse numa entrevista de fim de ano com o presidente.’
TV BRASIL
Petistas querem mais verba para TV pública
‘Deputados do PT consideraram insuficiente o orçamento de R$ 350 milhões da TV Brasil, como será chamada a nova televisão pública, e querem reforçar os cofres da emissora com recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). A proposta foi anunciada ontem por Walter Pinheiro (PT-BA), relator da medida provisória que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara com o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins.
Com o reforço, a TV pública terá mais recursos do que o previsto no Orçamento da União para o ano que vem. ‘Com R$ 350 milhões não se faz uma boa televisão’, alegou Pinheiro. ‘Esse é o valor da menor rede de TV no Brasil. Temos rede com R$ 6 bilhões, outra com R$ 1 bilhão, outra com R$ 800 milhões e a quarta está em R$ 350 milhões. Ou seja, televisão custa dinheiro’, disse Franklin.
A idéia é usar uma parte dos R$ 3 bilhões de arrecadação do Fistel. O fundo é composto da arrecadação da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) e da Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), pagas por todas as operadoras de telecomunicação. Uma parte dos recursos é usada pela Anatel para fiscalizar as empresas, mas a maior parcela segue para os cofres do Tesouro Nacional.
Franklin aproveitou a audiência para rebater as críticas sobre o Conselho Curador, que teve seus nomes divulgados anteontem. ‘Quando vejo o nome das 15 pessoas, vejo personalidades independentes. Não acho que nenhuma dessas pessoas será um pau mandado do governo’, argumentou. ‘A sociedade não tolerará um televisão pública chapa-branca’.
ESPÍRITO PÚBLICO
Além de Franklin, também participaram da audiência a presidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel, e representantes de entidades do setor. Ficaram claras as resistências dos deputados ao financiamento da TV com verbas do Orçamento e ao Conselho Curador com 20 integrantes da sociedade indicados pelo presidente da República.
Sensível às críticas, Pinheiro disse que pretende alterar o Conselho Curador da TV. A idéia é criar algum tipo de mecanismo que não deixe apenas na mão do presidente a escolha e a nomeação dos conselheiros. ‘Temos de aprimorar esse conselho e aproximá-lo ao máximo do espírito público’, defendeu o relator da MP. Uma das propostas, segundo ele, é submeter o nome dos conselheiros ao crivo dos senadores.’
VENEZUELA
CNN entra na mira de Chávez
‘San Cristóbal, Venezuela – O ministro das Telecomunicações da Venezuela, Jesse Chacón, ameaçou ontem tirar do ar a rede de TV americana CNN. A ameaça foi feita depois que o presidente Hugo Chávez acusou a CNN de ‘convidar’ ao seu ‘assassinato’. A reação foi provocada por um lapso da CNN em Espanhol, que exibiu, durante sete segundos, na manhã de terça-feira, fotos de Chávez e do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, dividindo a tela, e a legenda ‘Quem o matou?’ sob a imagem do venezuelano.
Chávez denunciou o episódio durante o programa La Hojilla (lâmina de barbear), na TV estatal, na noite de terça-feira. ‘Isso pode ser considerado um convite ao magnicídio’, dramatizou o presidente. ‘Um canal que se declarou nosso inimigo.’ Para Chávez, a legenda é parte de uma ‘guerra psicológica’ promovida pelo ‘império norte-americano’ nas vésperas do referendo de domingo sobre a reforma constitucional que permite, entre outras coisas, que ele se reeleja indefinidamente.
Chávez disse que pediu à Procuradoria-Geral da República que investigue se a CNN cometeu um crime. ‘Não existe legislação para atuar diretamente contra a CNN, porque ela não tem a sua sede jurídica aqui’, reconheceu ontem o ministro Chacón. ‘Podemos revisar quem coloca o sinal aqui – as operadoras a cabo, que têm contrato privado.’ Ele explicou que a medida será tomada caso a Justiça considere que a CNN cometeu um ‘delito’.
A CNN afirmou ontem que se tratou de um erro, e pediu desculpas. As fotos de Chávez e Uribe foram exibidas enquanto o canal em espanhol falava da polêmica entre os dois presidentes sobre as negociações com a guerrilha colombiana.
De acordo com a CNN, a legenda ‘Quem o matou?’ se referia à notícia veiculada imediatamente antes, sobre a morte do jogador de futebol americano Sean Taylor, ocorrida na madrugada de terça-feira.
A imagem ficou no ar por sete segundos. A CNN pediu desculpas pelo erro, e informou que apresentaria esclarecimentos quatro vezes, inclusive no mesmo horário em que ele foi cometido, às 7 horas em Atlanta.’
SUDÃO
Britânica é acusada de insultar o Islã
‘Uma professora britânica presa no Sudão por permitir que seus alunos chamassem um urso de pelúcia de Maomé foi acusada ontem de insultar o Islã e incitar o ódio. Se condenada, Gillian Gibbons (foto), de 54 anos, pode ser condenada a 40 chibatadas, uma multa ou 1 ano de prisão. A chancelaria britânica convocou ontem o embaixador sudanês para pedir explicações.’
CONVERGÊNCIA
Novos produtos já unem internet, telefone e TV
‘O brasileiro começa a experimentar na prática a convergência tecnológica. Até pouco tempo atrás a integração da telecomunicação com a computação e a internet na captura e difusão de informações em qualquer lugar do planeta só constava no discurso das companhias em operação aqui. Só ontem, por exemplo, quatro empresas deram passos importantes na direção da convergência tecnológica.
A Vivo, operadora líder no mercado de telefonia celular no País, fechou uma parceria com a Positivo, que detém um terço do mercado de computadores. A partir de agora, tanto os computadores de mesa da companhia como os notebooks sairão da fábrica com um software embutido que permite ao comprador optar pelo acesso à internet por meio da rede de celular da Vivo. O acesso não é de graça. O comprador do equipamento que optar por esse serviço mediante um voucher que acompanha o equipamento paga um valor fixo que, dependendo do tipo de plano, é menos que desembolsaria pelos pacotes da banda larga tradicional. E a placa de modem é gratuita em alguns planos. ‘Queremos popularizar o acesso à internet, incluindo especialmente as camadas de menor renda’, afirmou o presidente da Vivo, Roberto Lima.
Na semana passada, a Positivo já tinha dado outro passo no sentido da convergência. A companhia anunciou a produção de conversores de TV digital. ‘Isso é a convergência tecnológica’, disse o presidente da Positivo, Hélio Rotenberg, que planeja produzir as placas de modem no Brasil. Segundo ele, a sua empresa, que nasceu com a fabricação de computadores, não está entrado na seara dos eletroeletrônicos. ‘O conversor da TV digital nada mais é do que um computador.’
Também ontem a Philips do Brasil, tradicional fabricante de aparelhos de imagem e som, anunciou que vai produzir notebooks no País, uma experiência inédita da corporação mundialmente. ‘Até 2010 queremos ter 10% do mercado brasileiro de notebooks, que deverá atingir entre 5 e 6 milhões de unidades’, afirmou o gerente geral de Desenvolvimento de Novos Negócios Philips, Caio Catto.
A entrada da Philips em computadores foi decidida a partir de pesquisas feitas com consumidores que apontaram que o equipamento é um objeto de desejo, assim como a casa e o carro. Além disso, o computador deixou de ser apenas um equipamento para estudo e trabalho e passou a ser um eletroeletrônico da casa, assim como a TV.
No mesmo dia em que a Philips anunciou a entrada no segmento de informática, a gigante japonesa Sony informou que vai produzir no Brasil dois modelos de notebooks. Segundo Bob Ishida, presidente mundial da Vaio, a marca de notebooks da companhia, os equipamentos terão tecnologia ‘Full HD’. Isso significa que esses computadores podem exibir vídeos de alta definição, com a mesma qualidade de imagem da TV digital aberta.
Na semana passada, a Semp Toshiba, especializada em TVs e computadores,anunciou que volta a fabricar celulares, de olho na mobilidade da TV digital.’
TV DIGITAL
Governo pode anunciar incentivo para conversores
‘O ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse ontem esperar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anuncie domingo, no lançamento da TV digital em São Paulo, medidas para reduzir o preço dos conversores a R$ 200. Segundo Costa, uma das medidas em estudo é estender aos aparelhos os incentivos fiscais concedidos no programa Computador para Todos, que baixou pela metade o preço de computadores pessoais.
A idéia é conceder aos conversores (set-top boxes) isenção total de PIS/Cofins, que hoje é de 9,25%. Também poderia haver desconto ou mesmo redução a zero do Imposto de Importação para os componentes, cuja alíquota varia de 12% a 18%.
‘O presidente está muito entusiasmado com a idéia de que nós vamos ter uma caixinha (conversor) popular da TV digital. Vou torcer para que no domingo ele nos dê uma luz sobre isso’, disse Costa. A estréia da TV digital será marcada por um discurso de Lula, transmitido em rede pelas emissoras de televisão de São Paulo. Em seguida, será exibido um programa explicando o que é a TV digital e sua implantação no Brasil.
O ministro criticou as empresas que estão oferecendo conversores por mais de R$ 1 mil. Segundo ele, esses conversores devem servir para falar com Marte ou para fazer contato com extraterrestres. ‘Não pode ser a caixinha de TV, ou então deve ter parafusos de ouro.’
Ele ressaltou que já há conversores no mercado custando cerca de R$ 500. ‘Se nós aplicarmos os benefícios que foram dados ao computador popular, podemos ter a caixinha a R$ 200’, acrescentou. Costa citou ainda a possibilidade de se financiar a compra pelo Banco Popular do Brasil, com mensalidades entre R$ 5 e R$ 10. O ministro não descartou a possibilidade de importar estes aparelhos.
O set-top box é usado para converter o sinal digital em analógico, permitindo que o telespectador continue a utilizar o televisor que tem em casa. A caixinha promove melhora na qualidade de imagem, mas para ter imagem e som com tecnologia digital e em alta definição é preciso que o televisor seja digital.
Costa rebateu as críticas feitas por especialista de que a TV digital no Brasil começará sem interatividade, que permite que o televisor seja usado em funções da internet, como mandar e-mails. ‘A interatividade é um passo além.’ Segundo ele, em nenhum país a TV digital começou com interatividade.
O sistema digital começará a ser implantado pela cidade de São Paulo e a previsão é de que em 2008 chegue ao Rio, Brasília e Belo Horizonte. As demais capitais só terão a TV digital em 2009. A transição do sistema analógico para o digital deverá ser concluída até 2016.’
CINEMA
Cleópatra, uma rainha e suas vaias
‘Foi sob vaia histórica que o diretor Julio Bressane subiu ao palco do Teatro Nacional para receber o troféu Candango de melhor filme para o seu longa-metragem Cleópatra. A mesma reação já se fizera sentir (ou ouvir) quando do anúncio do prêmio de atriz para a global Alessandra Negrini, que interpreta a rainha do Egito no filme de Bressane. Para sua sorte, Alessandra não estava em Brasília. Quem pagou o mico, em seu lugar, foi o produtor Tarcísio Vidigal, também recebido com apupos.
A vitória de Cleópatra vinha se desenhando ao longo da cerimônia, pois já recebera os prêmios de melhor som (Leandro Lima), trilha sonora (Guilherme Vaz), direção de arte (Moa Batsow) e fotografia (Walter Carvalho). Total: seis troféus, que reafirmam Bressane como o maior bicho papão de Brasília, ao vencer o festival pela quarta vez. Já havia ganhado com Tabu (1982), Miramar (1997) e Filme de Amor (2003). Quatro vitórias num total de 11 participações. Ninguém chega sequer perto disso. Para comparar: diretores como Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Coutinho, David Neves e Cláudio Assis venceram Brasília duas vezes cada.
Ao receber o prêmio, Bressane reagiu com ironia e agradeceu a ‘inteligência’ de quem o vaiava. Ainda no palco, teorizou: ‘A arte é capaz de estabelecer diferenças, inclusive diferenças sexuais.’ E classificou seu trabalho como de resistência ‘à mediocrização da imagem no atual cinema brasileiro’. Farpas.
Ganhou, mas não por unanimidade. Chega de Saudade levou o troféu do público e mais dois do júri oficial – roteiro (Luis Bolognesi) e direção (Laís Bodansky). Ao agradecer, Laís não deixou de colocar um pouco de pimenta no caldo e disse que faz filmes para serem vistos: ‘O filme precisa chegar onde o povo está.’
Anabazys, o documentário de Paloma Rocha e Joel Pizzini, ficou com o Prêmio Especial do Júri e montagem (Ricardo Miranda). Meu Mundo em Perigo, de José Eduardo Belmonte, ganhou o prêmio da crítica e os de ator (Eucir de Souza) e ator coadjuvante (Milhem Cortaz) do júri oficial. Só Amigos de Risco, estréia do pernambucano Daniel Bandeira, saiu de mãos abanando. O melhor curta em 35 mm foi Trópico das Cabras, Fernando Coimbra.’
Luiz Zanin Oricchio
Polêmica, sim, mas de qualidade
‘O resultado pode ter sido polêmico, mas a qualidade da seleção de longas-metragens será lembrada como marca registrada desta 40ª edição. Ok, pode-se gostar ou não de Bressane, e gosto é algo de fato pessoal. Mas é difícil negar a qualidade artística e intelectual de um trabalho que vem se aprimorando a cada novo filme. Cleópatra é um desses exemplos de virtuosismo que só um cinema de mestre parece capaz de exibir. Bressane, ao esculpir a personagem Cleópatra ao nível do mito, realiza um trabalho que é pura pintura, poesia e beleza.
Pode-se contestar, talvez, a acumulação de prêmios no vencedor. Mas como negar que a melhor trilha era mesmo a de Guilherme Vaz e a melhor fotografia, a de Walter Carvalho? Som e direção de arte também? Sim, talvez, mas não obrigatoriamente. E, por certo, não era necessário conceder o prêmio de atriz a Alessandra Negrini. Ignorar o talento jovem de Rosanne Mulholland, presente em dois concorrentes, Meu Mundo em Perigo e Falsa Loura, foi o maior equívoco do júri.
Por sorte, a ousadia feroz de Meu Mundo em Perigo foi reconhecida em duas categorias (ator coadjuvante e ator) e ganhou também o prêmio da crítica – o que equilibrou um pouco as coisas. Já o grande injustiçado desta edição foi sem dúvida Falsa Loura, de Carlão Reichenbach, e não apenas porque a protagonista, Rosanne Mulholland, viu-se esquecida. Elegante depois da premiação, um Reichenbach entristecido dizia que o filme de Bressane não merecia vaias, mas discordava da decisão quanto à melhor atriz. E será que ninguém no júri percebeu a força poética do trabalho de Carlão, talvez um tanto marcado por arestas – mas, afinal, não é esse o próprio estilo do diretor?
Outro fator de equilíbrio da premiação, também externo ao júri oficial, foi o prêmio de público para Chega de Saudade. Somado aos dois troféus em categorias fortes – roteiro e direção – dá premiação consistente a esse filme popular mas nunca popularesco. É, aliás, exemplo de como uma obra pode manter a qualidade artística sem perder contato com o público mais amplo.
Cleópatra e Chega de Saudade são duas vertentes do moderno cinema brasileiro. Um é assumidamente para poucos. O outro se deseja expressão do seu criador, mas não se recusa ao jogo do mercado. Foi boa decisão Brasília ter contemplado essas duas facetas da mesma moeda. E também parece natural que, acolhendo as duas, o júri tenha se inclinado pelo que via de mais radicalmente autoral, afinal, esta é a marca registrada de Brasília.
Também nesse sentido foi a premiação de Anabazys, o rigoroso e belo documentário de Paloma Rocha e Joel Pizzini sobre Glauber Rocha e seu último filme, o polêmico Terra em Transe. Um Prêmio Especial do Júri e o troféu de montagem fizeram jus a esse trabalho que, entre outras virtudes, tem também a de, sem ser didático, aproximar a obra de Glauber de um público um pouco mais amplo.
Mesmo o único concorrente que nada ganhou – Amigos de Risco, de Daniel Bandeira – não comprometeu o nível da seleção. É um ótimo primeiro longa, irregular, como em geral são as estréias, mas mostra criatividade e força. Mesmo em seus erros.
Conclusão: a fórmula de Brasília mais uma vez deu certo. Poucos concorrentes, inéditos e selecionados a dedo. No mundo da acumulação, Brasília faz sua opção minimalista e concentrada. Em conversa com o Estado, o diretor do festival, Fernando Adolfo, disse que pretende manter sem alterações o desenho do evento, apesar das pressões em contrário. Quais pressões? A de produtores e diretores, que gostam de fazer o turismo dos festivais e não se conformam com a exigência de ineditismo, e de quem entende que Brasília deve se abrir às obras digitais. ‘Digital só daqui a uns dez anos, e olhe lá…’, diz Adolfo.
Deve ser dito também que a excelência encontrada na seleção de longas não se repetiu na de curtas em 35 mm. Com exceção do vencedor Trópico das Cabras e de Eu Sou Assim – Wilson Batista, de Luiz Guimarães de Castro, do rigor um tanto tedioso de Décimo Segundo, de Leonardo Lacca, e do humor negro meio desigual de O Presidente dos Estados Unidos, de Camilo Cavalcanti, pouco mais se viu no Cine Brasília. É pouco para um formato que já forneceu alguns dos melhores resultados do cinema brasileiro contemporâneo. Há que se apurar a curadoria nesse setor.
O repórter viajou a convite da organização do festival
Os premiados
CLEÓPATRA: melhor filme, atriz (Alessandra Negrini), fotografia (Walter Carvalho), direção de arte (Moa Batsow), trilha sonora (Guilherme Vaz) e som (Leandro Lima).
CHEGA DE SAUDADE: melhor filme pelo júri popular, direção (Laís Bodanzky) e roteiro (Luis Bolognesi)
MEU MUNDO EM PERIGO: ator (Eucir de Souza), ator coadjuvante (Milhem Cortaz) e prêmio da crítica
ANABAZYS: Prêmio Especial do Júri e montagem (Ricardo Miranda)
CURTA 35 MM: Trópico das Cabras, de Fernando Coimbra
CURTA 16 MM: Convite para Jantar com o Camarada Stálin, de José Ricardo de Almeida Alves Jr.’
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Folha de S. Paulo
Quinta-feira, 29 de novembro de 2007
O PODER QUE SEDUZ
Mônica Veloso lança livro e aposta em jóias
‘A jornalista Mônica Veloso diz ‘Deus te ouça!’ a uma repórter que pergunta se ela acha que seu livro, ‘O Poder que Seduz’, lançado ontem com noite de autógrafos, vai ser um fenômeno de vendas: ‘Tenho duas filhas pra criar!’
Uma hora após o início, seis pessoas haviam comprado o livro. Caso a edição encalhe, Veloso pode contar com mais uma fonte para o sustento das crianças: a ‘Coleção Mônica’ de jóias. ‘Logo que ela apareceu comecei a desenhar as jóias’, conta a designer Rosana Chinche. O brinco (R$ 60 mil) e o anel (R$ 70 mil) de brilhantes já estão nas orelhas e no dedo anular de Mônica.
Chinche, como a maioria dos presentes, é ‘amiga da Lu’: estava o dentista da Lu, a comadre da Lu, o advogado da Lu….
Lu é a assessora de Mônica. Ela diz aos jornalistas: ‘Gente, chega, vamos dar espaço para os convidados.’ Convidados?
Greyce Kelli, sexta compradora do livro, é amiga de Nani Venâncio. Nani é cliente da Lu.
Outro recurso para criar as filhas: estrear no cinema. ‘A Mônica é muito desenvolta’, diz o cineasta Anibal Massaini, o sétimo a comprar o livro e, bem, mais um amigo da Lu.’
TV BRASIL
TV pública poderá sofrer manipulação, diz ministro
‘Em um debate sobre a nova TV pública, que tem estréia marcada para domingo, o ministro Franklin Martins (Comunicação Social) admitiu que ela poderá sofrer manipulação política, mas alfinetou as emissoras privadas, dizendo que elas também correm esse risco.
‘Existe o risco de o governo manipular politicamente? Existe, mas não é só na TV pública. Existe também na TV comercial. Ou a gente acha que os interesses comerciais, políticos, partidários etc. nunca vão interferir na programação?’, afirmou ele, numa audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara.
Para reforçar seu argumento, Franklin disse que a sociedade não aceitará uma TV ‘chapa-branca’, mas também não quer emissora privada ‘chapa-preta’ -ou seja, aquelas que criticam demais o governo.
‘A sociedade não tolerará uma TV pública chapa-branca. Às vezes a sociedade não tolera uma TV comercial que começa a ficar chapa-preta’, disse, sem especificar a qual emissora se referia. Foi a insatisfação com a cobertura da TV Globo no episódio do dossiê contra tucanos, em 2006, que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a propor a criação da TV pública.
Ao defender o conselho curador da nova emissora, cujos 15 membros da sociedade civil foram nomeados nesta semana, Franklin recomendou que as TVs privadas sigam o exemplo.
‘Seria muito bom se as grandes redes de TV comerciais adotassem modelos como esse: um conselho, personalidades independentes.’ O ministro disse que não escolheu os membros do conselho com base em experiência de TV. ‘A idéia não é ter pessoas que fazem TV, mas que vêem TV, que são capazes de ter um espírito crítico para o que é apresentado.’ Na audiência, diversos representantes de entidades e parlamentares criticaram o modo de escolha dos conselheiros, convidados por Lula.
Franklin assegurou que eles se comportarão de maneira autônoma, como ocorre com os ministros do Supremo Tribunal Federal, que também são indicados pelo presidente.
‘Quando vejo o nome das 15 pessoas, vejo personalidades independentes. Não acho que nenhuma dessas pessoas será um pau mandado do governo.’
O projeto da TV pública também foi questionado na audiência pelo modelo de financiamento. Paulo Ricardo Camargo, da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV), disse que seria um erro a emissora aceitar publicidade comercial. ‘A TV pública não deve ser emissora para veiculação de espaços publicitários.’
Franklin admitiu que não está satisfeito com o modelo em que os R$ 350 milhões de custo anual serão cobertos quase que totalmente pelo Orçamento.
Ele e a diretora da empresa, Tereza Cruvinel, admitiram a possibilidade de usar o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, formado por taxas pagas por operadoras e gerido pela pasta das Comunicações.’
TODA MÍDIA
Os dois
‘No site do venezuelano ‘El Universal’, os destaques eram o ex-ministro da Defesa e a ex-primeira-dama, ambos contra a reforma na Constituição, até que à noite ‘Hugo Chávez diz que não terá relações com o governo da Colômbia enquanto Alvaro Uribe estiver’. A dias do referendo, achou mais um inimigo externo e tirou a oposição das manchetes. Inclusive as daqui, via espanhola Efe, com o enunciado ‘corta relações’.
Na Bolívia, indígenas cercaram a Constituinte para impedir a entrada da oposição e Evo Morales aprovou em primeira instância a reforma. Mais, tirou a greve das manchetes, até a do ‘El País Global’, espanhol, que destacou a aprovação. Enquanto isso, agências noticiavam que Lula e Michele Bachelet confirmaram a visita, ‘apesar da tensão’ ou talvez por causa dela.
OUTROS DOIS
O site argentino Infobae e agências de Espanha e Cuba deram que a ‘Embraer avalia fabricar aviões em Córdoba’.
Seria um acordo entre a brasileira e a Area Material Córdoba, hoje ‘outorgada em concessão para a Lockheed Martin’, dos EUA. E parte da ‘relação estratégica’ fechada por Lula e Cristina Kirchner.
PORÉM
Segundo o econômico ‘El Cronista Comercial’, em tom de alerta, quase de denúncia, a brasileira Confederação Nacional das Indústrias teria elaborado um ‘plano para avançar mais na Argentina’, em várias áreas, até 2015.
Recomendaria ‘comprar mais empresas para inclinar mais a balança comercial’.
RITMO CHINÊS
O ‘Miami Herald’ deu que a economia cubana deve crescer 10% -em dois dígitos pelo terceiro ano. ‘Cuba se transformou’ com cobre e níquel, que reparam a queda do açúcar
DA CONCESSÃO À BOLSA
O ‘recorde’ no leilão de petróleo e gás ecoou dos sites do setor à China, com destaque, da Bloomberg à ‘Gazeta Mercantil’, para Eike Batista. O ‘Valor’ destacou, de tal ‘estréia apoteótica’ no setor, as declarações de que seu ‘conceito de risco é diferente’ e agora vai ‘trabalhar para criar maior valor para a companhia’. E no Globo Online, já ontem, ‘Empresa de Eike Batista vai abrir o capital’.
Já ontem também, no site do ‘Wall Street Journal’, a notícia de que a estatal colombiana Ecopetrol ‘estréia em Bolsa e acha compradores entusiasmados’. As vitórias nos leilões no Brasil e no Peru foram dadas como uma razão.
A VALE INVESTE
O mesmo site do ‘WSJ’ deu atenção maior à Vale, que também venceu concessões e anunciou que vai investir US$ 40 milhões na exploração.
À Veja On-line, que havia questionado seu desempenho no leilão, ironizando que ela ‘tomou ferro’ se comparada à OGX de Batista, a empresa respondeu que venceu nove áreas, a maioria daquelas que queria, ‘dentro da estratégia’.
SUL-SUL
De resto, em sites como o indiano ‘Economic Times’ ou o chinês MacauHub, que acompanha a economia da África de língua portuguesa, destaque para as vitórias da indiana ONGC Videsh e da angolana Somoil, ambas em consórcios com a Petrobras.
Já nas agências de Europa e EUA, a atenção foi para as concessões às empresas de Portugal, Noruega e Suécia.
CRIANÇAS E FUTEBOL
‘The Times’ e ‘Daily Telegraph’ prosseguem através de colunas, em Londres, na discussão iniciada por Carlos Alberto Parreira sobre a formação de jogadores. Um acusa a ‘fábrica brasileira’ de explorar ‘trabalho infantil’ e não aceita a sugestão. O outro pede que ‘deixem as crianças’ inglesas jogarem ou brincarem ‘como fazem no Brasil’.’
SUDÃO
Professora é presa por dar nome do profeta a ursinho
‘O Sudão acusou uma professora britânica na quarta-feira de incitação ao ódio religioso por ter permitido que seus alunos dessem o nome Mohammad (Maomé) a um ursinho de pelúcia, delito que pode resultar em pena de 40 chibatadas, de acordo com o Ministério da Justiça.
Gibbons foi detida depois da queixa de alguns pais de alunos. Mohammad é um nome comum entre muçulmanos, mas dar o nome do profeta a um animal seria visto como insultuoso por muitos muçulmanos. A sharia (lei islâmica), adotada no norte do país, pune severamente blasfêmias.
‘Estamos surpresos e decepcionados com esse desdobramento’, disse Michael Ellam, porta-voz do premiê britânico Gordon Brown. Em Cartum, a embaixada britânica informou que diplomatas haviam sido autorizados a visitar Gibbons na quarta e que ela disse estar sendo bem tratada.
A escola Unity, onde a professora trabalhava, disse que ela não tivera a intenção de insultar o islã, e que havia se desculpado diante dos muçulmanos que se sentiram ofendidos. O colégio foi fundado por grupos cristãos, mas 90% de seus alunos são muçulmanos, a maioria de famílias sudanesas de classe alta.
Funcionários do governo sudanês tentaram minimizar o incidente, que seria ‘um caso isolado’. Diplomatas do país no Reino Unido e na ONU disseram esperar que a professora seja libertada em breve. Mas, segundo os principais líderes religiosos sudaneses, reunidos na Assembléia dos Ulemás, a lei deveria ser aplicada a Gibbons em todo o seu rigor.
‘O que aconteceu não foi acidental ou realizado por ignorância, mas sim uma ação calculada, que forma mais um anel nos círculos do complô contra o islã’, anunciou, em comunicado, o órgão, composto pelos principais pregadores, líderes religiosos e estudiosos do islamismo. A Assembléia dos Ulemás é vista como uma organização em geral moderada.
Tradução de PAULO MIGLIACCI’
TV DIGITAL
Ministro pede que consumidor não compre já conversor de TV digital
‘O ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse ontem que o preço do conversor da TV digital deverá cair em até seis meses. Hoje, o modelo mais barato é de R$ 499, mas existem aparelhos acima de R$ 1.000.
O ministro orientou os consumidores a não comprar já os conversores e disse que o preço de R$ 1.090 é um ‘disparate’. ‘Eu não aconselho comprar [o mais caro] porque deve falar com seres extraterrestres, deve ter alguns parafusos de ouro, alguma coisa de platina.’
Costa disse que pediu ao presidente Lula incentivos para a indústria de conversores -como o Computador Popular, que vendeu microcomputadores de R$ 699 para as classes mais pobres. Para ele, isso poderia derrubar o preço para R$ 200. ‘Diria para as pessoas esperar um pouco porque o preço vai cair.’
O ministro disse esperar que o presidente Lula anuncie no domingo, quando começam as transmissões digitais, incentivos para a indústria de conversores. Disse também que poderão ser abertas linhas de financiamentos em bancos como a Caixa Econômica, o Banco do Brasil e o Banco Popular para os consumidores, que poderiam pagar prestações entre R$ 7 e R$ 10 por mês.
O ministro criticou operadoras de celular e emissoras de televisão, que, para ele, poderiam se esforçar para oferecer celulares com receptores para a TV digital. ‘Evidentemente que não é um bom negócio para as empresas de telefonia colocar no celular um dispositivo que dá o direito de sentar no ônibus e, em vez de telefonar, vai ficar vendo televisão de graça.’
TELEVISÃO
Globo tira ‘Globo Repórter’ e muda ‘BBB’
‘Um dos programas mais tradicionais da TV brasileira, o ‘Globo Repórter’ sairá do ar durante todo o primeiro trimestre de 2008. O jornalístico, em exibição desde 1973, cederá parte de seu horário ao reality show ‘Big Brother Brasil’, que passará por várias mudanças.
Oficialmente, o ‘Globo Repórter’ irá tirar férias para que a programação de verão seja mais diferente da tradicional. Mas o ‘Zorra Total’, aos sábados, não deixará de ser exibido.
Com as mudanças, ‘Big Brother Brasil’ passará a ser ao vivo às segundas e sextas, com pelo menos 20 minutos de duração. Às segundas, Pedro Bial entrevistará os dois participantes que estarão no paredão da semana. As respostas serão avaliadas pela ‘máquina da verdade’, já apresentada, em menor escala, neste ano.
A prova do líder mudará das quintas para as sextas. O programa terá duas festas por semana, uma às quintas e outra aos sábados. Trechos serão mostrados ao vivo. As indicações aos paredões e as eliminações continuarão, respectivamente, aos domingos e terças.
Entre ‘BBB’ e o ‘Jornal da Globo’, até 18 de fevereiro, quando estréia a minissérie ‘Queridos Amigos’, haverá um ‘Festival de Sucessos’, de filmes nem sempre inéditos.
As edições do ‘Por Toda a Minha Vida’ e do ‘Som Brasil’ serão reprisadas após o ‘Jornal da Globo’ até 15 de janeiro. ‘24 Horas’ volta ao ar dia 21/1.
NOVELA 1 Aguinaldo Silva desistiu de tirar ‘férias’ já de ‘Duas Caras’. ‘Não viajo mais [para Lisboa]. Cheguei à conclusão que sair daqui neste momento ia parecer, no mínimo, covardia. Além disso, descobri no aeroporto que meu passaporte estava vencido’, disse, por e-mail.
NOVELA 2 Ontem, em seu blog, Silva prometeu voltar ‘a ser o operário-padrão de sempre’. ‘Mas agora sem aceitar provocações, sem ligar para implicâncias, futricas ou ódios, centrado apenas no que vale à pena _a viagem que levará ‘Duas Caras’ ao bom porto’. ‘Chega de bancar o garoto mimado’, escreveu.
NOVELA 3 Até a conclusão desta edição, a Globo não havia confirmado a versão de Silva.
CORRERIA 1 É dramática a situação da TV Brasil, a nova TV pública federal, em São Paulo. Até o início da tarde de ontem, os transmissores, importados dos EUA, estavam retidos na alfândega, esperando pagamento de taxas.
CORRERIA 2 Na torre da TV Cultura, estava tudo pronto para a instalação dos transmissores da TV Brasil. Os técnicos ainda acreditavam que dará tempo de instalar os equipamentos, ainda provisórios (os definitivos só chegam em janeiro), até domingo, quando a ‘BBC de Lula’ estréia oficialmente.
CONTAMINAÇÃO A onda de audiência em baixa na Globo chegou à ‘Sessão da Tarde’. Anteontem, com ‘As Regras de Max’, deu 11 pontos, um de seus menores ibopes.’
HQ
Sexo em família
‘O enredo do álbum de quadrinhos ‘Fun Home’ (lar da diversão), que acaba de sair no Brasil, soa como o da série de TV ‘A Sete Palmos’: uma família ‘disfuncional’, espécie de ‘A Família Addams’ com filho gay, vive dentro de uma casa que funciona como funerária.
Mas o livro autobiográfico da quadrinista norte-americana Alison Bechdel, 47, vencedor do Eisner Award de Não-Ficção 2007, o mais importante das HQs, é mais insólito.
‘Fun Home’ (o nome também é um jogo de palavra com funeral home, casa funerária em inglês) redesenha a relação de Alison, lésbica, com o pai, Bruce, um homossexual enrustido, que vive numa cidade provinciana. Bruce ora sublima seu desejo (e afetação) na decoração quase museológica da mórbida casa. Ora realiza-o, nos caracóis do musculoso Roy, o baby-sitter de seus filhos.
A barra às vezes pesa, mas Bechdel colore sua narrativa, cheia de flashbacks e em parte baseada nos obsessivos diários que escreveu na infância e adolescência, com diversos alívios cômicos. ‘Uma das partes mais engraçadas do livro é a cena em que meu pai tenta me levar a um bar gay e o leão-de-chácara nos barra porque eu sou menor. É uma situação absurda e também um tanto trágica. O humor e a tristeza estão sempre entrelaçados para mim. Daí o subtítulo ‘uma tragicomédia em família’, escreve a quadrinista à Folha, por e-mail.
Bechdel diz que sua família se divertia muito. Não apesar da disfunção, da anormalidade, mas ‘somada a ela, em paralelo’. ‘Acho que o título do livro demonstra muito bem o estilo de humor levemente tolo e mórbido da minha família. Nós realmente nos referíamos à nossa casa funerária como o ‘lar da diversão’, diz Bechdel.
Coadjuvante
Os Bechdel, no entanto, acharam que a moça estava louca quando resolveu esquadrinhar os bastidores de seu lar. A mãe chegou a sugerir que ela fizesse algo fictício. Mas a quadrinista não abriu mão até de dar nome aos bois. No livro, Bechdel recorda como, pouco depois de revelar à família que era gay, recebeu um telefonema em que sua mãe disparou: o pai teve casos com homens.
Perplexa, sua personagem pondera: ‘Eu fora eclipsada, rebaixada de protagonista do meu drama pessoal a alívio cômico da tragédia dos meus pais’.
Nem mesmo as suspeitas circunstâncias em que seu pai morre, aos 44 anos, atropelado por um caminhão, saem a salvo do humor peculiar de Bechdel.
No funeral de Bruce em ‘Fun Home’, um senhor tenta consolá-la, dizendo que ‘a vontade divina às vezes é um mistério’. Como paira a suspeita do suicídio, Bechdel pensa em responder: ‘Não é nenhum mistério!
Ele se matou porque era um veado maníaco-depressivo no armário que não agüentou mais um segundo nessa cidade pequena de gente obtusa’.
Sexo
A Alison saindo do armário se surpreende com afirmações de lésbicas iniciadas, na linha ‘feminismo é a teoria, lesbianismo é a prática’, e acaba se envolvendo com Joan, uma poeta ‘matriarquista’. Salvo uma ou outra página com pele e pêlo à vista, a quadrinista é econômica nas ‘cenas eróticas’. Diz que sua vida não foi ‘nenhuma orgia ininterrupta’. E que a proporção das passagens sexuais explícitas, em relação às outras, é representativa da maioria da vida das pessoas.
‘Sexo é importante, certamente, mas passamos muito mais tempo fazendo outras coisas.’ A estrutura de ‘Fun Home’ é quase uma homenagem ao berço literário, e não à toa recheado de referências gays, de Bechdel. Ambos professores de inglês, seus pais aparecem no livro lendo um monte de clássicos da literatura. Os capítulos aludem a obras de Oscar Wilde (‘O Marido Ideal’), Marcel Proust (‘À Sombra das Raparigas em Flor’), Albert Camus (‘A Morte Feliz’) etc.
E Alison até costura histórias pessoais daqueles autores, como a de Oscar Wilde, com a do pai. Tal qual o escritor britânico, Bruce vai parar num tribunal por conta de uma conduta criminosa com um menor de idade. Bechdel diz que demorou para se dar conta, no entanto, de que os livros estavam formando a estrutura do álbum.
‘Eu estava tentando escrever sobre o meu pai, mas não sabia muito sobre ele. Filhos têm uma perspectiva distorcida dos seus pais. A proximidade atrapalha que se enxergue claramente. Então comecei a buscar pistas da personalidade do meu pai nestes livros que ele amava.
E aos poucos eles começaram a rastejar para dentro da minha história’, diz Bechdel. ‘Primeiro, como citações. Mas aí comecei a encontrar paralelos nas vidas dos autores e, por fim, num certo ponto, percebi que estava construindo cada capítulo em torno de um certo livro ou autor.’
Bechdel não se livrou de psicanalismos de botequim. Justamente porque seus pais eram apaixonados por literatura, ela diz que passou quase toda a vida adulta negando ser escritora. Até optar pelos quadrinhos, que eram ‘um meio de expressão inferior’. ‘E, mais importante, um meio para o qual meus pais não tinham critérios estéticos. Por isso, eles não podiam me julgar. É um pouco irônico que os quadrinhos estejam finalmente sendo levados a sério, pois é justamente sua natureza não-literária, popular, que inicialmente me atraiu.’
FUN HOME – UMA TRAGICOMÉDIA EM FAMÍLIA
Autora: Alison Bechdel
Tradução: André Conti
Editora: Conrad
Quanto: R$ 42,90 (234 págs.)’
Marco Aurélio Canônico
Empresas japonesas criam mangá para iPod
‘Depois do papel e das telas de TV, cinema e até celular, as ultrapopulares histórias em quadrinhos japonesas conhecidas como mangás chegaram à nova fronteira: poderão ser baixadas e lidas nos modernos iPhone e iPod Touch, da Apple.
O anúncio foi feito durante uma conferência de quadrinhos em Hong Kong, pelas duas empresas japonesas envolvidas no projeto, a Voice Bank, Inc. e a Digital Manga Association Japan.
Os mangás já estão disponíveis gratuitamente -em ‘streaming’, ou seja, em transmissão direta, sem download- em www.digitalmanga.org, mas é preciso ter um dos iPods de última geração (ainda raros no Brasil) para acessá-los.
A interface do site é em japonês, mas vários dos mangás disponíveis já estão em inglês.
A idéia do chamado Digital Manga Project é aproveitar as inovações dos modernos tocadores de música (que incluem vídeo, sistema de navegação por toque, celular etc.) para expandir o universo dos mangás.
‘A interface de toque é nova e precisa de conteúdo novo, ela funciona perfeitamente para digitalizar conteúdo de papel, como os mangás’, disse à Folha o presidente da Voice Bank, Yoshihide Kinokawa, por telefone, de Tóquio.
‘O projeto também permite criar uma trilha sonora para ouvir enquanto se lê, o que muda completamente a atmosfera do mangá. É esse tipo de combinação que experimentamos.’
Segundo Kinokawa, os mangás deverão estar disponíveis também para download a partir de fevereiro.
O próximo passo é oferecer um canal para eles no iTunes, o programa que gerencia o iPod e por meio do qual é possível comprar e baixar conteúdo (vídeos, música, audiobooks).
Mas, como acontece com todo material on-line, os adolescentes japoneses e fervorosos fãs de mangá em países como os EUA não estão aguardando e já fazem downloads ilegais.
Mesmo com as histórias apenas em ‘streaming’, é possível gravá-las e baixá-las com programas disponíveis na rede.’
MÚSICA
Voltas
‘O SHOW mais esperado do ano deveria ter acontecido na segunda passada, na O2 Arena, em Londres, mas foi transferido para o dia 10 de dezembro. Quem subirá ao palco, às margens do Tâmisa, não é nenhum fenômeno musical da hora, nenhuma gordinha animada como Lily Allen, nem a maior banda de todos os tempos da última semana que estourou na internet, mas o velho e bom Led Zeppelin.
Mais de 1 milhão de fãs se inscreveram para concorrer à compra de 20 mil ingressos para o concerto, ao preço de cerca de R$ 450. O Led Zeppelin foi formado em 1968 e há 19 anos não fazia um show.
A volta da banda de Robert Plant e Jimmy Page, como se sabe, acontece em meio a um festival ‘vale a pena ver de novo’ na cena pop.
Dois dias antes do show londrino, o Maracanã receberá outros senhores que retornam juntos ao palco -o trio britânico Police, de Sting, Stewart Copeland e Andy Summers. A lista inclui algumas outras lendas, como o Who e o Sex Pistols, além de bandas não tão fulgurantes, como o sombrio Jesus and Mary Chain. Para não falar dos Stones, que vivem no eterno retorno.
Entre nós, Renato Russo reapareceu encarnado no palco por Bruce Gomlevsky, e Titãs e Paralamas, que nunca acabaram, mas sofreram penosos baques, ressurgiram juntos no palco, lembrando o auge do rock dos 80 no Brasil.
Os retornos fazem parte da dinâmica da cultura e da indústria cultural. Acontecem em outras áreas, como o cinema, que há tempos embarcou na onda das seqüências -muitas vezes, mas nem sempre, em escala decrescente de interesse. Retornam velhos heróis e sucessos do passado são refeitos ou requentados. E como o tempo não pára (e a longevidade se estica), as possibilidades de novas voltas aumentam.
É claro que esses ‘reloads’ obedecem à lógica do dinheiro, e não é por acaso que a reaparição de astros do passado seja comumente classificada de ‘caça-níqueis’ pelos críticos. Mas, se há oportunidade de caçar níqueis -na verdade mais do que isso, pequenas fortunas-, é porque existe gente disposta a pagar.
Parte dos que topam encarar esses espetáculos na linha ‘fulano ataca novamente’ são jovens movidos pela curiosidade de ver de perto o que sobrou de gente que eles ouviram falar ou conheceram por meio de discos, clipes e documentários.
Mas o grande público é formado por uma legião de antigos admiradores, que talvez veja nesses reencontros uma oportunidade de -uau- voltar aos bons tempos. Assim como cheiros, canções marcam a vida e têm a capacidade de nos reconduzir ao passado. A idéia de sacudir o esqueleto com gente da mesma geração ao som daquela música inesquecível, num show daquele cara incrível (‘Que não se compara com essas porcarias de hoje’) é um convite a revisitar a juventude.
Há quem prefira manter uma sábia distância dessas experiências, na intuição de que são grandes as chances de o saldo ser deprimente.
Mas muitos, mesmo sabendo que tudo não passará de miragem, se atiram. E se divertem. É só ilusão, mas, afinal, não é disso que se trata?’
CINEMA
Brasília consagra cinema ‘crespo’ de Julio Bressane
‘Quando o longa ‘Cleópatra’, de Julio Bressane, foi anunciado vencedor do 40º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, na noite da última terça, boa parte da platéia virou as costas e deixou o Teatro Nacional, insatisfeita com o resultado.
Os que ficaram dividiram-se homogeneamente entre vaias e aplausos efusivos. ‘Obrigado pela gentileza e pela inteligência de todos’, disse Bressane.
Pela base de madeira lisa do troféu Candango, o cineasta passava o dedo indicador, dizendo: ‘Aqui está escrito: ‘Uma coisa é ser amado. Outra, é ser ‘o’ amado’. A citação está em seu filme, dita pelo imperador romano Julio César (Miguel Falabella), um dos que tombam à sedução de Cleópatra.
Amado pelo júri oficial -foram seis troféus Candango, no total- e rejeitado por boa parte do público, Bressane acha que a divisão se explica pelo fato de seu filme ter sido feito ‘a contrapelo, ao arrepio, crespo no cinema brasileiro atual’, o que confere à sua consagração o tom da resistência.
‘É a vitória da sensibilidade artística e do esforço contra o pouco latim e muita malandragem’, afirmou, redesenhando a área de conflito entre o cinema autoral e o de ambição popular, já citada na premiação.
Diálogo com a platéia
‘Na minha maneira de fazer cinema, ele se completa não com o filme na lata, mas com o filme na tela. Acredito que o cinema tem de ir aonde o povo está’, afirmou Laís Bodanzky, quando recebeu o Candango de melhor direção por ‘Chega de Saudade’, eleito melhor filme segundo o voto popular.
O definitivo teste de público para ‘Chega de Saudade’ deve acontecer no dia 21 de março do ano que vem, data prevista para sua estréia nos cinemas. Já ‘Cleópatra’ deverá ser lançado entre abril e maio de 2008.
Além do cinema de Julio Bressane, a noite de encerramento do 40º Festival de Brasília celebrou também a obra de Glauber Rocha, com o Prêmio Especial do Júri e o troféu de melhor montagem concedidos ao documentário ‘Anabazys’, dirigido por Paloma Rocha e Joel Pizzini, uma exegese do último filme realizado pelo cineasta baiano, ‘A Idade da Terra’ (1980).
Ator assíduo na filmografia de Glauber, Antonio Pitanga relembrou a sessão oficial de ‘Anabazys’, na segunda passada, última da competição. ‘Chorei ao ver essa obra, dizendo a mim mesmo: ‘Que felicidade fazer parte deste momento.’ Glauber vive! O cinema vive! A semente glauberiana está aí!’.
Passado o tumulto, Bressane enfileirou os seis Candangos de ‘Cleópatra’ numa poltrona do já vazio Teatro Nacional.
Pediu à atriz Djin Sganzerla (premiada como melhor coadjuvante por ‘Falsa Loura’), filha de Rogério Sganzerla, que os percorresse com as mãos, acariciando-os sem tocá-los.
Com Rogério Sganzerla (1946-2004), Bressane fundou a produtora Belair, no Festival de Brasília de 1968. Terminada a cena de Djin, Bressane caminhou firme em direção à câmera super-8 que o cineasta Bruno Safadi apontava para eles, captando imagens para um futuro documentário sobre a história da Belair.
Quando viu a lente bem de perto, Bressane abriu a boca. A parcela da platéia de Brasília que ficou engasgada com a vitória de ‘Cleópatra’ foi embora antes de ver Bressane terminar a noite engolindo o cinema.’
José Geraldo Couto
Vaia reafirma força do festival quarentão
‘Viva a vaia. Ela mostra que o Festival de Brasília é um quarentão ‘enxuto e tesudo’, para repetir as palavras que o cineasta baiano Edgar Navarro usou para qualificar o colega Carlos Reichenbach durante sua intervenção no debate do filme deste último, ‘Falsa Loura’.
Apesar dos seis Candangos para ‘Cleópatra’, a decisão do júri não deve ter sido fácil. Estavam em competição seis longas mais do que dignos de reconhecimento, cada um deles apostando num modo diferente de fazer cinema. Em circunstâncias assim, escolher é uma tarefa cruel.
O favorito do público, ‘Chega de Saudade’, de Laís Bodanzky, é um primor de competência e delicadeza ao tratar de um tema espinhoso, sobretudo para uma realizadora tão jovem: a libido na chamada terceira idade.
O modo como a diretora entrelaça os dramas e desejos de uma dúzia de personagens nos limites restritos de espaço e tempo (uma noite num salão de danças) justifica plenamente os prêmios conquistados, de direção e roteiro.
Mas ‘Cleópatra’ é cinema de outro calibre. Uma viagem da inteligência e da sensibilidade por esse Mediterrâneo imaginário em que se cruzam as potências criativas da Europa, da Ásia e da África.
Ao adotar um viés lírico, luso-brasileiro, para abordar o mito de Cleópatra, Bressane não abandonou a dimensão histórico-épica da personagem, mas como que a condensou no erótico, no sensorial.
Um exemplo ao acaso: enquanto a câmera se fecha num detalhe da túnica grená de César, ouvimos na trilha sonora o mar, cavalos, retinir de espadas: toda a campanha romana no Egito numa admirável síntese audiovisual.
Nem todos embarcaram nessa viagem, o que é uma pena. Uma pena também que ‘Falsa Loura’ -talvez o Reichenbach mais leve e inspirado dos últimos anos- tenha ficado na sombra, bem como o amoroso e radical ‘Anabazys’.
Premiando ‘Meu Mundo em Perigo’, de José Eduardo Belmonte, a crítica optou, com boas razões, por apostar num cineasta ainda em evolução, mas cheio de vitalidade. E Rosane Mulholland -que brilha tanto em ‘Meu Mundo’ quanto em ‘Falsa Loura’- talvez tenha sido a grande injustiçada da noite.’
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