Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo

ELEIÇÕES 2006
Alberto Dines

Aprendizes de feiticeiro, 17:09 29/09

“A primeira pergunta coube a Cristovam Buarque e ele a dirigiu à cadeira vazia que seria ocupada por Lula. O pernambucano tranqüilo foi na jugular e lembrou a hipótese de um processo de impeachment contra o conterrâneo falador: ‘os eleitores vão votar no senhor ou no vice, José Alencar?’.

A resposta é óbvia: ganhe no primeiro ou no segundo turno, o presidente Lula envergará a faixa presidencial sob forte bombardeio. Constrangido e vulnerável. Em 1º de janeiro de 2003, ao recebê-la das mãos de FHC, houve aquela confusão de abraços e óculos caídos, mas o clima era de tranqüilidade absoluta, confiança. Todos apostavam na convivência. Tanto a eleição como a transição haviam sido impecáveis, padrão escandinavo.

A cerimônia da posse, desta vez, será penosa e não apenas pelos inquéritos e processos que estarão tramitando. O presidente Lula recusou o papel de árbitro e o pior, tentou várias vezes levar a bola para casa, como acontece nas peladas de rua. Aquela figura bonachona e loquaz, capaz de desarmar ambientes tensos e desfavoráveis com uma torrente de palavras (algumas até engraçadas), lá atrás fez a escolha erradae agora está enredado nela.

A partir de maio de 2005, quando se sentiu acuado pelas revelações do mensalão, o presidente Lula sucumbiu ao mandonismo. Ao invés de uma atitude grave e altiva, própria de quem sofre uma grande perda ou sente-se traído, cedeu às teorias conspiratórias. Saiu chutando as canelas dos adversários. Associou-se aos maquiavéis de botequim, entregou-se aos apocalípticos de plantão.Denunciava a melação com os meladores ao lado.

O resultado ai está e quem melhor retratou o ambiente foi um dos responsáveis pelo desastre, o senador petista e candidato ao governo de São Paulo, Aloisio Mercadante: ‘vivo um pesadelo na campanha e na vida’. Não só ele: o pesadelo do PT é tão horrendo que toldou a hipótesebastante factível de um triunfo no primeiro turno.

O erro habitual dos aprendizes de feiticeiros é ignorar os manuais. Abrem as torneiras e no meio do dilúvio descobrem que não sabem fechá-las.

Lula apostou na cizânia. Ganhou em 2002 porque soube agregar, em 2006 foi na direção contrária, desagregou. Mesmo consagrado pelo voto, terá que enfrentar os demônios do confronto tirados do armário.

Mesmo com maioria no Congresso terá que encarar uma hostilidade entranhada. E não apenas dos adversários, também dos antigos eleitores. Ao invés de demarcar-se de Hugo Chavez (que, segundo a última edição do ‘Economist’ começa a desbancá-lo na América Latina), seguiu estritamente sua receita.

A tentativa de levar a imprensa para o palanque eleitoral coloca-o ao lado dos caudilhos e tiranetes que não suportam a existência de jornais e jornalistas independentes. Caso de Roberto Requião. A mídia precisa ser observada e criticada, basta ver a vergonhosa transação de ‘IstoÉ’ com os sanguessugas para publicar o seu dossiê.

Mas a imprensa que exige a imediata apuração do escândalo está a favor do interesse público, Lula não deveria ameaçá-la. Afinal, o presidente é uma criação da mídia ‘burguesa’ que agora combate com tanta indignação: ‘Estamos cuspindo nas rotativas que comemos. O PT é um produto da imprensa. A imprensa sempre ampliou a nossa voz e a nossa luta.’ O deputado Paulo Delgado (PT-MG), autor deste diagnóstico, não é um dos favoritos do grupo palaciano.Se fosse, a eventual vitória de Lula no primeiro turno não teria sabor tão amargo, nem tão fortes seriam os presságios para a temporada pós-eleitoral. Paulo Delgado não é aprendiz nem é feiticeiro.

Também Cristovam Buarque, a grande revelação destas eleições. Aferrado à bandeira da educação, tem o dom de despertar o nosso esquecido idealismo. Além disso, ao dirigir-se à cadeira vazia de Lula, prestou-nos o favor de lembrar que existe uma coisa chamada José Alencar.”



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O Estado de S. Paulo – 1

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