O documento das Organizações Globo diz que está longe de ter um viés nas suas reportagens, fala “quando surge uma crise política” etc. etc. Mas esqueceu de explicar quando esta crise é criada pelo próprio órgão noticiador e a empresa de notícias, por interesses ideológicos, em detrimento de terceiros. Reportará ela (Globo) algo que, de alguma forma, desabone ou diminua sua emissora, mesmo que este fato seja jornalístico e de interesse público?
Li as 28 páginas do documento e acredito que é um arcabouço de contradições, cheias de paradoxos. Pelo menos para mim, que acompanho a Globo e outras emissoras há muito, principalmente os noticiários, um vício meu. Não consigo, nas questões mais delicadas, ver a postura da Globo, naquilo que ela diz ser seu paradigma. Já fui um fã cego da emissora, depois comecei a observá-la, e às outras, com mais isenção. Ver diversos noticiários sobre fatos semelhantes é um exercício interessante para qualquer telespectador ou leitor sério. Deixei de ter a visão enviesada para dar à Globo ou qualquer outra emissora o título de jornal ou telejornal oficial do Brasil ou quaisquer países.
Começo pela postura de muitos jornalistas da emissora. Têm uma postura de absolutos, certos de que nada que disserem, mesmo que prejudiquem outras pessoas, irá ter consequências para eles. Podem absolutamente tudo e nada irá atingi-los, principalmente as leis, pois agem como se estivessem acima delas, até porque têm lá seus artifícios para prejudicar seus oponentes, quando assim desejarem ou for preciso para manter sua hegemonia (bem “ético”!). A postura corporal do jornalista William Bonner é uma auto-suficiência desnecessária, esnobe, às vezes, até desrespeitosa, como quem diz o que nós falamos aqui é verdade os outros são meros reprodutores do nosso conteúdo; e se falarem algo, não nos responsabilizamos, pois não é verídico. Quanto à laicidade tão propalada, nem de longe a Globo ganha esse troféu, pois antes da Igreja Universal, há muito que as Organizações Globo tratam de forma diferenciada a igreja católica – especificamente, esta religião até vende espaço comercial para ela, o que não faz com as outras. Isso são fatos e há provas irrefutáveis. Uma simples e isenta pesquisa irá comprová-lo.
Medo da interatividade
Há pessoas cegas ou enviesadas que só têm olhos para a Globo e a Folha de S.Paulo como sinônimos de jornalismo porque têm amigos nessas organizações, ou trabalharam nelas. Só leem ou veem os noticiários delas por motivos ideológicos, pois outros não fazem parte das suas crenças. Mas para praticar jornalismo ou promover discussões a respeito de jornalismos é preciso se permitir “ler um livro de olhos e mentes abertas”, do contrário deixará de se conhecer o outro e não conhecendo o outro não se poderá criticá-lo. Depois que estive cego por muito tempo, em relação a algumas verdades inventadas, fui em busca de procurar as minhas verdades…
Por isso, apesar de ter minhas opiniões não muito favoráveis em relação às Organizações Globo, não vou aqui tirar o mérito de seu pioneirismo, da qualidade de imagem, da sua grande estrutura, de muitos jornalistas sérios que devem habitar nos seus corredores, do seu poderio econômico e sua influência política e de “alienação” (essa afirmação fica no campo da subjetividade, pois só se aliena quem tem mente despreparada ou se deixa manipular por alguma crença que os mantenha séquitos inteligentes) de massa. Talvez esse pioneirismo na comunicação de massa profissional e hegemonia que detinham as Organizações Globo tenham permitido que ela fosse fonte única e exclusiva de muitos de nós.
A concorrência é muito bem-vinda, mesmo vindo de adversários declarados da emissora, pois ela criou o “monstro”; agora, assuma as consequências. Pois só assim, nos permitiu ouvir as “verdades” ocultadas que a “isenção” propalada e viciada não nos permitia ver, ouvir e ler, por interesses obscuros ou simples caprichos. Qualquer emissora que passa rasteiras em adversários e joga um jogo sujo, até mafioso, para manter monopólio, não merece credibilidade nos seus noticiários para falar mal de qualquer tipo de monopólio ou jogo sujo de bastidores. Ou pode aquela velha máxima de “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” no jornalismo?
Acredito que todo esse poder hegemônico, todo monopólio, deve ser evitado. Nunca uma emissora de TV poderia ser dona de um jornal impresso ou qualquer outro tipo de empreendimento, serviço de internet, revistas, rádios e, para a sobrevivência de todas as outras, nenhuma poderia fazer propaganda de si mesma, tendo que, para isso, fazer uso de outros meios para veiculá-los, mesmo que produzissem elas mesmas o conteúdo propagandístico, mas teriam que pagar espaços para mídia de internet, revistas, jornais, rádios etc. e nenhuma delas poderia recusar fazê-lo, praticando o preço de mercado, sob pena de pagamento de multa ou perda da concessão pública. E essa concessão deveria acontecer através de níveis de satisfação dos consumidores e aprovada por um conselho formado por diversos representantes da sociedade civil.
Acredito que a publicação desse documento das Organizações Globo vem ao encontro de uma opinião que já havia formado, após o episódio da bolinha de papel em José Serra e a postura que a Globo tomou nas últimas eleições para presidente: o medo da interatividade real, que vem dos internautas que, antes da internet e dos usos jornalísticos das redes sociais e da rapidez que as notícias desses canais novos trazem para o público, desmentindo mentiras ou exageros nos telejornais “sérios”, fazem um estrago danado na imagem de qualquer empresa. Por isso, ao querer definir jornalismo e jornalista, tentam diminuir o papel dos agentes informadores da rede. Nem diploma á mais preciso para ser ser jornalista!
Prova de autossuficiência
Acredito que o povo, o leitor, o telespectador bem-informado, saberá diferenciar um bom jornalismo e jornalista dos que não são. Não serão as Organizações Globo, ou seja lá quem for, que ditarão esta regra. Uma empresa de comunicação que se nega a discutir regulamentação do setor e joga todos que querem nas jaulas de censores ou ditadores (o que ela conhece muito bem, pois andava de braços dados com eles. Não sou eu que estou dizendo, mas documentos e a história mostram isso).
Investigações sérias, de interesse próprios e também jornalísticos, na Inglaterra mostram que essas empresas de comunicação não merecem credibilidade em se auto-regulamentarem. O caso do centenário (nem por isso menos promíscuo, indecente, sem escrúpulo, desonesto… etc.) News of the World provou ao mundo, principalmente àqueles que tinham dúvidas a respeito disso. Fora isso, David Cameron deve ter adorado as turbulências sociais em Londres para desviar o foco do caso dos grampos, pois já havia resvalado em sua gestão. Este é o perigo da relação profícua entre imprensa e poder. Aqui, todos sabem da ligação dessa emissora com o poder, assim como há ou havia lá na Inglaterra e que torna uma relação promíscua entre aquele noticiado e esse que noticia. Só que todos têm medo de mexer com o grande demônio ou tinham, será? Acredito que a hegemonia dessa emissora tem mais a ver com o comodismo da população em geral, da educação de qualidade, que ainda precisa melhorar muito, do pioneirismo, da estrutura tecnológica e tempo sazonal que essa teve para se estruturar no monopólio sem precedentes; preguiça e medo de mudança que muita gente tem, além do medo do novo, mais do que credibilidade e qualidade jornalística. Quem acompanhou o day after day, após a negativa repercussão na net da reportagem do caso da bolinha de papel, não apenas discutindo, mas comparando a postura jornalística de outras emissoras e a exagerada e mal-intencionada abordagem dada pela emissora que “tem princípios editorias”. Ou seja, os internautas, que “não são jornalistas”, não produziram ou recriaram ou montaram uma reportagem nova sobre àquele fato. Apenas distribuíram os vídeos da mesma reportagem e a abordagem dada nos diversos canais e pediram para as pessoas tirarem suas próprias conclusões e fazerem suas análises.
As Organizações Globo têm é medo dessa interatividade que não havia antes. Assim como as pessoas aprenderam a utilidade do telefone, hoje os internautas descobriram a utilidade e como usar a internet para se fazerem o ouvir. Deixaram de ser consumidores passivos de informação e passaram a opinar e debater com o mundo. E isso assusta a, até então, toda-poderosa emissora. É difícil acreditar nas boas intenções da publicação desse documento, mas, ao mesmo tempo, para não ficar só nas críticas, acho importante a publicação do mesmo, pois agora temos como cobrar uma sintonia entre o discurso e a prática jornalística da emissora e compará-lo com o próprio documento publicado por ela. Cobrar coerência. Apesar de o documento já vir com uma defesa prévia para “quaisquer” falhas que possa haver. Porém, não dimensiona que uma simples falha numa edição de um debate pode beneficiar ou prejudicar um candidato à presidência, lembram? Além disso, e por fim, creio que ela quis ser novamente pioneira em publicar o que já existe em diversas redações e órgãos de comunicação, mas que apenas não são publicados e provocar essa discussão que estamos tendo agora, apesar de se negar a debater entre seus pares de outras emissoras – prova disso, negar-se a mandar um representante para o Observatório da Imprensa. Prova da sua autossuficiência negativa que expus lá trás.
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[Edson Filho é professor, Olinda, PE]